Com um esforço que pareceu monumental, puxei a espada para fora do corpo. O cadáver caiu pesadamente no chão com um baque surdo, o rosto congelado em uma máscara de agonia queimada. Fiquei ali parado, a espada curta pingando um líquido escuro e oleoso, o cheiro de morte e carne queimada grudado em mim como uma segunda pele.
E então, a imagem se sobrepôs. Outro corpo caído. Outro rosto contorcido de dor. Outro cheiro de sofrimento no ar. Mas não era aqui, não era agora. Era em outro lugar, em outra vida. Era Luiz.
Luiz. O homem que destruiu minha primeira família. O assassino do meu pai naquela vida, Roberto. O monstro que... que abusou de Luana, minha irmã mais nova. A lembrança veio como um raio, vívida e dolorosa. Lembrei-me da minha busca por ele, anos de ódio fervendo em fogo baixo, até finalmente encontrá-lo. Lembrei-me da satisfação fria e cruel enquanto o torturava, arrancando dele cada grito, cada súplica, antes de finalmente conceder-lhe a morte que ele tanto merecia, mas que ainda assim pareceu pouco perto do sofrimento que causara.
Naquela época, eu era Rodrick, um homem quebrado pela dor e pelo ódio. Cada golpe, cada ferida infligida a Luiz, era uma vingança pela minha família destruída, pela minha infância roubada, pela inocência perdida de Luana. Não houve hesitação, não houve remorso. Apenas uma justiça sombria e pessoal, executada com mãos firmes e um coração vazio.
Agora, aqui estava eu, Elian, uma criança de seis anos, com o sangue quente de outro homem em minha lâmina. Um homem que ameaçou minha nova Mãe, minha nova irmã. A motivação era diferente – não era vingança, era proteção. Um instinto puro e avassalador de defender aqueles que amo nesta vida, de impedir que a tragédia se repetisse.
Não sinto arrependimento por ter matado este bandido. Nenhum. Ele teria matado Mãe e Vivian sem piscar. Ele escolheu seu caminho quando tentou atacá-las. Eu apenas fiz o necessário para detê-lo. Se tivesse que fazer de novo, faria. Proteger minha família é a única coisa que importa.
Mas... a facilidade com que a lâmina entrou. A forma como a energia fluiu através das runas, respondendo não a um comando, mas a uma intenção assassina. A frieza que senti enquanto observava o homem morrer, queimando por dentro... Isso me assusta. É a mesma frieza que senti como Rodrick enquanto torturava Luiz? É a mesma escuridão que residia em mim naquela vida, ressurgindo agora?
Matei para proteger, sim. Mas uma parte de mim, a parte que ainda é Rodrick, observou o processo com uma calma perturbadora. Uma parte de mim reconheceu a eficiência brutal do ato. Uma parte de mim não se abalou com a visão ou o cheiro da morte violenta.
Sou Elian agora. Quero ser diferente. Quero construir uma vida feliz para esta família, para compensar o que perdi na outra. Mas como posso fazer isso se a sombra de Rodrick, o assassino vingativo, ainda vive dentro de mim, pronta para emergir com uma lâmina na mão?
Essa dualidade me rasga por dentro. A alegria feroz de ter conseguido proteger minha Mãe e Vivian, algo que falhei em fazer por Luana. E o medo gelado de que, ao fazer isso, eu tenha despertado algo que deveria permanecer adormecido. O poder arcano, a habilidade com a espada... são ferramentas. Mas quem as empunha? Elian, a criança que quer amar e proteger? Ou Rodrick, o homem que aprendeu a odiar e a matar?
A fumaça ainda subia do corpo do bandido. O silêncio pesado da clareira era quase ensurdecedor. Senti meus joelhos fraquejarem.
Uma mão pousou gentilmente no meu ombro, me sobressaltando. Era meu Pai. Seus olhos, normalmente calmos e firmes, estavam arregalados, percorrendo meu rosto, minha roupa, a espada ensanguentada em minha mão, e o corpo caído aos meus pés. Havia choque em sua expressão, mas também uma preocupação profunda que me atingiu mais do que qualquer repreensão faria.
— Elian! — Sua voz era um sussurro rouco. Ele se ajoelhou na minha frente, ignorando o sangue e a sujeira, suas mãos segurando meus ombros com firmeza, mas sem machucar. — Você está bem? Está ferido? Ele te machucou?
Balancei a cabeça negativamente, incapaz de formar palavras. Meus lábios tremiam, e eu ainda podia sentir o zumbido da energia da espada em minhas mãos, mesmo que as runas já tivessem se apagado. O cheiro de queimado era insuportável.
Pai seguiu meu olhar até o cadáver do Espadachim Arcano, depois voltou a me encarar. A compreensão pareceu alvorecer em seus olhos, misturada com algo que não consegui decifrar – talvez espanto, talvez orgulho, talvez medo por mim.
— Você... você o parou — disse ele, a voz ainda baixa, quase maravilhada. — Você agiu para proteger sua Mãe e Vivian.
Ele não estava bravo. Não estava horrorizado com o que eu fizera, pelo menos não da forma que eu esperava. Ele viu o ato pelo que foi: defesa. Proteção.
— Eu... eu tive que... — consegui gaguejar, a voz falhando.
— Eu sei, filho. Eu sei. — Ele apertou meus ombros levemente. — Sua coragem... foi extraordinária. Você foi rápido, decisivo. Salvou suas vidas. — Ele fez uma pausa, e sua expressão se suavizou com uma preocupação paternal. — Estou imensamente orgulhoso de você, Elian. Mas... ver você passar por isso... ter que fazer isso... — Ele engoliu em seco, a dificuldade em encontrar as palavras era evidente. — Nenhuma criança deveria carregar o peso de tirar uma vida. É um fardo pesado demais.
Suas palavras, a compreensão em seus olhos, o reconhecimento de que eu havia protegido minha família... quebraram a última represa dentro de mim. A imagem de Luana, indefesa em minha vida passada, a dor de não ter conseguido protegê-la naquela época, colidiu com o alívio avassalador de ter conseguido, desta vez, impedir o mal. Não era arrependimento pelo bandido morto; ele merecera seu destino no momento em que ameaçou minha família. Era o alívio. Era a redenção de uma falha antiga, mesmo que apenas em meu próprio coração.
As lágrimas vieram, quentes e incontroláveis, escorrendo pelo meu rosto sujo de poeira e talvez respingado de sangue. Comecei a soluçar, não um choro de medo ou tristeza, mas um choro profundo, catártico, que vinha de um lugar de dor antiga e alívio presente.
Pai me puxou para um abraço apertado, me envolvendo em seus braços fortes, me protegendo do horror da cena ao nosso redor. Senti o cheiro familiar de couro e aço de sua armadura, a segurança de sua presença.
— Está tudo bem, Elian. Acabou agora. Você está seguro. Elas estão seguras — ele murmurava em meu cabelo, a voz embargada pela emoção.
— Eu... eu consegui... — solucei contra seu peito, as palavras quase ininteligíveis. — Desta vez... eu consegui... proteger...
Não precisei dizer mais nada. Ele me segurou mais forte, como se entendesse o peso não dito em minhas palavras, a história por trás daquelas lágrimas. Ele não sabia de Rodrick, de Luana, da minha vida passada, mas sentiu a profundidade da minha emoção, a imensidão do meu alívio.
— Sim, filho — disse ele, a voz firme, mas cheia de ternura. — Você conseguiu. Você protegeu sua Mãe e sua irmã. Você as protegeu.
Ficamos ali abraçados por um longo momento, o mundo exterior se reajustando lentamente ao redor de nós. O Capitão Borin se aproximou, seu rosto grave.
— Senhor Baronete, a senhora e as crianças estão bem? — perguntou ele, a voz respeitosa, mas tensa.
Pai me soltou gentilmente, mas manteve uma mão firme em meu ombro. — Estamos bem, Capitão. Graças à ação rápida de Elian. — Ele olhou para mim novamente, um orgulho feroz brilhando em seus olhos antes de se voltar para a cena. — E seus homens?
— Perdemos Harlon, senhor — disse Borin, apontando com o queixo para um dos soldados caídos perto da luta inicial. — Os outros dois estão feridos, mas nada que ameace a vida. O bandido que se rendeu está seguro.
Pai assentiu, a mandíbula tensa. — Cuide dos feridos e do prisioneiro. Precisamos limpar esta bagunça e seguir viagem o mais rápido possível. Não é seguro permanecer aqui.
Enquanto o capitão dava ordens aos soldados sobreviventes para cuidar dos corpos e do prisioneiro, Mãe desceu da carruagem, o rosto ainda pálido, mas a expressão determinada. Ela veio até mim, ajoelhou-se e me envolveu em seus braços, me apertando com força. Senti o tremor em suas mãos.
— Meu filho corajoso... — ela sussurrou em meu ouvido. — Você foi tão corajoso...
Vivian também desceu, agarrada à saia de Mãe, os olhos grandes e assustados, mas ela não chorava mais. Olhava para mim com uma expressão confusa, talvez sem entender completamente o que havia acontecido, mas sentindo a tensão e o alívio no ar.
Demorou algum tempo para organizar tudo. Os corpos dos bandidos mortos foram arrastados para fora da estrada e cobertos superficialmente. O prisioneiro foi amarrado de forma segura e colocado sob guarda. Os ferimentos dos nossos soldados foram tratados da melhor forma possível com os suprimentos que tínhamos. A espada curta que eu usei foi limpa por meu Pai e devolvida a mim em silêncio, um gesto que pareceu carregar um peso imenso.
Finalmente, voltamos para a carruagem. O clima lá dentro era completamente diferente. O silêncio agora não era de tédio ou contemplação, mas de choque e processamento. Mãe segurava Vivian em seu colo, acariciando seus cabelos distraidamente, o olhar perdido na paisagem que passava. Pai estava mais tenso do que nunca, a mão raramente se afastando do cabo da espada. E eu... eu me sentia estranhamente vazio e pesado ao mesmo tempo. A imagem do bandido morrendo, o cheiro, a sensação da lâmina... tudo estava gravado em minha mente, sobreposto às memórias de Rodrick.
Os dias seguintes da viagem foram sombrios. Falamos pouco. Mesmo Vivian parecia sentir a mudança no ar e permaneceu mais quieta. Eu passava horas olhando pela janela, mas não via mais apenas a paisagem. Via sombras nas árvores, perigo em cada curva da estrada. O mundo parecia ter perdido um pouco de sua cor, substituída por tons de cinza e vermelho.
Tentava meditar, tocar meus brincos, buscar a clareza, mas a imagem do fogo arcano consumindo o bandido por dentro se intrometia. Era poder. Era controle. Era morte. E eu o havia empunhado. A dualidade me consumia: o alívio por ter protegido minha família e o medo do que essa capacidade significava, do que ela poderia despertar em mim.
Finalmente, após mais alguns dias de viagem tensa, a paisagem começou a mudar novamente. As fazendas ficaram maiores, as estradas mais largas e bem cuidadas. Começamos a cruzar com mais viajantes, mercadores, até mesmo outras carruagens nobres escoltadas. E então, no horizonte distante, surgiu.
Velunor. A capital.
Mesmo à distância, era imponente. Torres altas perfuravam o céu, e uma muralha maciça, que parecia se estender por quilômetros, cercava a cidade. À medida que nos aproximávamos, os detalhes se tornavam mais nítidos: telhados vermelhos e cinzentos aglomerados, estandartes coloridos tremulando ao vento, e o fluxo constante de pessoas e carroças entrando e saindo pelos portões monumentais.
A grandiosidade era esmagadora, muito além de qualquer coisa que eu já tivesse imaginado. A energia da cidade pulsava, uma mistura caótica de poder, comércio, intriga e vida. Senti um frio na barriga novamente, mas desta vez, a excitação estava misturada com uma nova camada de apreensão, forjada na violência da estrada.
Nossa carruagem diminuiu a velocidade, juntando-se à fila crescente de veículos e pedestres que aguardavam para entrar pelo portão principal, o Portão do Dragão. Guardas reais em armaduras polidas inspecionavam os recém-chegados, suas expressões impassíveis.
Foi então que meu Pai apontou para o lado.
— Olhem. Parece que não somos os únicos a chegar.
Segui seu olhar e vi outra carruagem, um pouco maior e mais ornamentada que a nossa, parada um pouco à frente na fila adjacente. Era feita de madeira escura e lustrosa, com detalhes em prata. E na porta, inconfundível, estava o brasão da Casa Von Stein: uma espada envolta por chamas e raios, encimada por uma majestosa águia, com espigas de trigo emoldurando harmoniosamente todo o conjunto simbólico. As cores predominantes eram azul e dourado
Eles haviam chegado. A apresentação estava prestes a começar.