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Chapter 30 - O Palco Real e os Ecos do Preconceito.

Ponto de Vista: Isabelle Von Stein

Eu já estava posicionada com meus pais em um dos corredores laterais que davam acesso ao Grande Salão do Trono. A tensão no ar era quase palpável, um zumbido de poder arcano contido, expectativas sussurradas e o peso esmagador da presença da realeza em algum lugar próximo. Ajustei nervosamente a luva de seda branca em minha mão, sentindo o couro frio da minha espada de treino cerimonial na cintura, uma versão mais ornamentada daquela que usava nos treinos.

Então, ouvi a voz clara do arauto ecoando do corredor adjacente, onde a família Freimann estava sendo anunciada.

— Apresentando a Casa Freimann!

Meu coração acelerou um pouco. Era a vez deles. Prendi a respiração, esperando.

— Sua Senhoria, o Baronete Lucius Freimann!

— Sua Senhora, Maria Freimann!

— Senhorita Vivian Freimann!

— Lorde Elian Freimann!

No momento em que o nome de Elian foi pronunciado, um murmúrio baixo, mas distinto, percorreu alguns dos nobres de Sangue-Puro que aguardavam perto de nós. Eram sussurros venenosos, palavras que eu não conseguia distinguir completamente, mas o tom era inconfundível: desdém, zombaria.

Senti meu sangue ferver. Como eles ousavam? Depois de tudo que o pai de Elian me contou sobre a história deles, sobre a luta para serem reconhecidos? Cerrei os punhos dentro das luvas, a raiva subindo pela minha garganta.

— Isabelle, acalme-se — murmurou meu pai ao meu lado, sua mão pousando levemente em meu braço. Sua voz era baixa, mas firme. — Não lhes dê a satisfação de uma reação aqui.

Respirei fundo, forçando-me a relaxar os ombros, mas meus olhos permaneceram fixos na entrada do corredor, esperando vê-los. E então, eles apareceram, caminhando em nossa direção para se juntarem à fila de espera.

O Baronete Lucius e Lady Maria estavam impecáveis, ele com sua postura militar e ela com sua elegância discreta. A pequena Vivian parecia uma boneca em seu vestido azul. E então, meus olhos encontraram Elian.

Ele estava... diferente. O traje azul-noturno com detalhes dourados lhe caía perfeitamente, realçando a seriedade que ele adquirira nos últimos anos. Seus cabelos loiro-trigo, que geralmente ficavam soltos ou presos de forma simples para o treino, estavam agora cuidadosamente amarrados em um rabo de cavalo baixo que caía logo abaixo dos ombros, deixando à mostra o brinco de prata com runas discretas em sua orelha esquerda. No indicador de sua mão direita, vi o brilho sutil de um anel – não consegui distinguir os detalhes à distância, mas parecia ser de prata também. E em seu pulso esquerdo... meu coração deu um salto. Ele estava usando a pulseira de planetina que eu lhe dera. A mesma que lhe presenteei em seu aniversário de três anos.

Um calor inesperado subiu pelo meu rosto. Ele estava usando. Mesmo aqui, neste evento formal. Olhei instintivamente para minha própria mão direita, para o pequeno anel de ouro com a pedra azul que ele me dera. Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios. Talvez... talvez ele realmente valorizasse nossa amizade tanto quanto eu.

Meu devaneio foi interrompido pelo anúncio final do arauto, sua voz carregada de um respeito que contrastava fortemente com os murmúrios anteriores.

— E Sua Excelência, a Arquimaga Margareth Lindemberg!

Se o anúncio de Elian causou murmúrios de desdém, o de Margareth provocou uma onda de choque e hostilidade mal disfarçada entre os nobres de Sangue-Puro. Ouvi claramente desta vez.

"A Bruxa!"

"O que ‘ela’ está fazendo aqui?"

"Não basta termos que aturar os Arcanos menores, agora temos que dividir o salão com *ela*?"

"Dizem que ela desafiou a própria Coroa no passado..."

A raiva voltou com força total. Arquimaga Margareth era uma lenda, uma das Arcanistas mais poderosas do reino, mesmo que não ostentasse mais seu título de Arquiduquesa. Como ousavam falar dela assim? Apertei a mão de meu pai, que me lançou um olhar de advertência, mas eu podia sentir a rigidez em seu próprio braço. Ele também estava furioso.

Vi Margareth passar, imponente em seu vestido cinza-escuro, ignorando completamente os sussurros com uma indiferença régia que só a tornou mais intimidante. Ela parou ao lado de Lucius e Maria, sua presença silenciando momentaneamente os comentários mais próximos.

**(Ponto de Vista: Elian Freimann)**

Os murmúrios. Eu os ouvi assim que meu nome foi anunciado. Eram baixos, venenosos, como o zumbido de insetos peçonhentos. "Freimann..." "Arcano..." "Sangue sujo...". Eram ecos das palavras de Hugo e Oliver, mas agora multiplicados, vindos de rostos desconhecidos na multidão de nobres que aguardavam.

A raiva inicial que senti no distrito comercial ameaçou ressurgir, mas as palavras de Mestra Margareth ecoaram em minha mente: "Controle. Dignidade. Não lhes dê essa satisfação." Respirei fundo, forçando meus ombros a relaxarem, mantendo meu rosto o mais neutro possível enquanto seguia meus pais pelo corredor ricamente decorado.

Meus olhos varreram a multidão rapidamente. Lá estavam eles, não muito longe. Hugo Von Hoffmann, com seu sorriso arrogante habitual, Oliver Von Meyer ao seu lado, parecendo entediado, e Amalia Von Barth, um pouco atrás deles, com uma expressão difícil de ler. Nossos olhares se cruzaram por um breve instante. Vi o reconhecimento e o desprezo nos olhos de Hugo e Oliver. Amalia desviou o olhar rapidamente, quase como se estivesse envergonhada.

Então, meus olhos encontraram os de Belle. Ela estava parada ao lado do Conde Albert, e mesmo à distância, pude ver a indignação queimando em seu rosto por causa dos murmúrios sobre minha família e, especialmente, sobre Mestra Margareth. Mas quando nossos olhares se encontraram, a raiva em seus olhos pareceu suavizar por um instante, substituída por algo mais... um reconhecimento, uma solidariedade silenciosa. E então, vi o leve sorriso que surgiu em seus lábios quando ela pareceu notar algo. Segui seu olhar e vi minha própria mão esquerda, onde a pulseira de platina que ela me dera estava visível sob o punho da minha túnica.

Um sorriso involuntário surgiu em meu próprio rosto. Naquele mar de hostilidade e tensão, encontrar o olhar dela, ver aquele pequeno sinal de nossa conexão, foi como encontrar um ponto de calma em meio à tempestade. Era um lembrete de que eu não estava completamente sozinho ali.

O momento foi quebrado quando as grandes portas douradas no final do corredor começaram a se abrir lentamente, revelando o esplendor ofuscante do Grande Salão do Trono.

★★★

Respirei fundo, o ar frio e carregado de perfume do salão invadindo meus pulmões. As portas douradas se abriram completamente, e a visão que se descortinou diante de mim foi de tirar o fôlego. O Grande Salão do Trono era vasto, muito maior do que qualquer cômodo que eu já tivesse visto. O teto abobadado se perdia na altura, sustentado por colunas maciças de mármore branco que brilhavam sob a luz de enormes candelabros de cristal. Tapeçarias gigantescas cobriam as paredes, retratando cenas históricas do reino – batalhas, coroações, dragões majestosos. O chão de mármore polido refletia a luz como um espelho escuro.

Centenas de nobres já estavam presentes, acomodados em galerias laterais elevadas ou em assentos dispostos em fileiras no nível principal. Seus trajes eram um mar de cores vibrantes e tecidos luxuosos, joias cintilando por toda parte. Todos os olhares pareciam convergir para o grupo de famílias que entrava, incluindo a nossa. Senti o peso daqueles olhares como uma pressão física, uma mistura de curiosidade, avaliação e, em alguns casos, o mesmo desdém que senti no corredor.

No extremo oposto do salão, sobre um tablado elevado coberto por um tapete vermelho-sangue, estava o trono. Era uma estrutura imponente de ouro maciço e madeira escura, com o brasão real – o dragão e a torre – esculpido em detalhes intrincados. E sentado nele, com uma postura régia e um semblante sério, estava Sua Majestade, o Rei Theron. Mesmo à distância, sua presença era inegável. Usava trajes cerimoniais de um roxo profundo, com uma coroa de ouro simples sobre os cabelos escuros. Ao seu lado, em tronos menores, sentavam-se outros membros da família real e conselheiros importantes.

Fomos guiados por um oficial da corte, em silêncio, por um corredor lateral formado por cordões de veludo, até uma área designada perto do tablado, onde outras famílias com crianças a serem apresentadas já aguardavam. Os Stein estavam ali perto, e troquei um rápido aceno com Belle. A tensão era ainda mais espessa aqui, uma mistura de orgulho parental, ansiedade infantil e rivalidade nobre.

Minha mãe colocou a mão em meu ombro, um gesto sutil de encorajamento. Meu pai mantinha o rosto impassível, mas seus olhos varriam o salão, atentos. Mestra Margareth parecia completamente à vontade, observando a corte com um olhar analítico, quase distante.

Após alguns minutos de espera tensa, um homem idoso com vestes de Chanceler subiu alguns degraus ao lado do trono e bateu com um cajado no chão três vezes. Um silêncio quase absoluto caiu sobre o vasto salão.

— Sua Majestade, o Rei Theron! Nobres Lordes e Damas de Malkut! — A voz do Chanceler era amplificada pela acústica do salão. — Damos início à quinquagésima sétima Apresentação Quinquenal! Um momento de celebração e reconhecimento, onde as mais jovens e promissoras centelhas de poder arcano e habilidade marcial de nosso reino são formalmente apresentadas à Coroa e à nobreza!

Ele fez uma pausa, permitindo que suas palavras ressoassem.

— Como é tradição, cada jovem Lorde ou Dama será chamado individualmente. Eles se apresentarão diante de Sua Majestade, declararão seu nome e linhagem, exibirão o nível de sua Runa Arcana ou demonstrarão uma habilidade fundamental de Espadachim Arcano ou Artes Arcanas. Que este dia reafirme a força e o futuro de Malkut!

Meu coração batia descompassado contra minhas costelas. Individualmente. Diante de todos. Exibir a Runa. Demonstrar uma habilidade. As palavras de Mestra Margareth voltaram: "Impressionar!". A pressão pareceu aumentar dez vezes. Olhei para minha mão esquerda, onde a Runa da Centelha, a estrela de seis pontas, parecia pulsar sob a pele, cheia de energia âmbar que eu ainda lutava para purificar completamente. O que eu mostraria? Um simples “Globus Ignis”? Um “Murum Ignis”? Parecia tão... básico comparado ao “Corpus Fulminis” de Belle ou à habilidade que os outros poderiam ter.

O Chanceler pegou um pergaminho entregue por um pajem.

— Que comecem as apresentações! O primeiro a se apresentar será... Lorde Hugo Von Hoffmann!

Prendi a respiração. Hugo. O primeiro. Observei enquanto ele se afastava de sua família – o Duque Hoffmann, um homem corpulento com uma expressão severa, e sua esposa igualmente altiva – e caminhava em direção ao tablado com uma confiança que beirava a arrogância. Ele fez uma reverência superficial, quase desdenhosa, ao Rei.

— Lorde Hugo Von Hoffmann, herdeiro do Ducado de Hoffmann — declarou ele, a voz surpreendentemente alta e clara para sua idade, que eu estimava ser uns oito ou nove anos.

— Mostre-nos sua Runa, Lorde Hoffmann — instruiu o Chanceler.

Hugo ergueu a mão direita com um sorriso presunçoso. Na palma, uma Runa brilhou com uma luz âmbar intensa. Era uma Runa da Centelha, a estrela de seis pontas, assim como a minha. No entanto, a dele parecia... mais brilhante, mais estável. Ele já havia completado a purificação? Ou era apenas uma variação natural? Senti uma pontada de inveja misturada com minha antipatia.

— Runa da Centelha, estágio Âmbar Brilhante — anunciou Hugo, claramente orgulhoso. Isso significava que ele já havia passado pelo estágio de acumulação e estava no segundo estágio da Centelha, o de purificação. Eu também estava no segundo estágio, mas ainda não tinha começado a purificação. No caso de Hugo, parece que ele já começou.

— Sua afinidade elemental? — perguntou o Chanceler.

— Terra — respondeu Hugo. Ele então ele fez o selo de terra, fechou o punho e socou o ar à sua frente. Com um ruído baixo, uma pequena estalagmite de pedra, do tamanho de um punhal, surgiu abruptamente do chão de mármore a alguns metros dele. Era uma demonstração simples de manipulação da terra, uma “Spiculum Terrae”, mas feita com uma rapidez e solidez que indicavam um bom controle inicial. Ele desfez a estalagmite com um gesto displicente, e ela afundou de volta no chão sem deixar marcas.

Um murmúrio de aprovação percorreu parte da nobreza de Sangue-Puro. O Rei Theron assentiu brevemente, sem demonstrar muita emoção. Hugo fez outra reverência superficial e voltou para sua família, o sorriso arrogante ainda maior.

Meu estômago se revirou. Ele era habilidoso, não podia negar. E já estava um estágio à minha frente na Runa da Centelha.

— O próximo, Lorde Oliver Von Meyer! — chamou o Chanceler.

Oliver, o garoto mais quieto, mas igualmente desdenhoso, que estava com Hugo no distrito comercial, aproximou-se. Ele parecia ter a mesma idade de Hugo. Sua reverência foi um pouco mais correta, mas seu rosto mantinha uma expressão de tédio estudado.

— Lorde Oliver Von Meyer, herdeiro do Baronato de Meyer — disse ele, a voz mais baixa que a de Hugo.

Ele também exibiu uma Runa da Centelha em sua mão direita, estágio Âmbar Brilhante. Outro que já estava purificando sua energia. Sua afinidade também era Terra. Para sua demonstração, ele simplesmente bateu o pé no chão, e uma pequena onda de choque pareceu percorrer o mármore ao seu redor, levantando uma fina poeira invisível – um “Quassus Terrae’ básico, uma demonstração de controle de vibração mais do que de formação.

Era menos chamativo que a estalagmite de Hugo, mas demonstrava um tipo diferente de controle. O Rei assentiu da mesma forma. Oliver voltou para sua família, vassalos dos Hoffmann, com a mesma expressão entediada.

Dois da mesma laia, ambos com Terra, ambos já purificando a Centelha. A pressão sobre mim aumentou.

— A próxima, Lady Amalia Von Barth! — anunciou o Chanceler.

Vi Amalia se aproximar. Ela parecia mais nova que os outros dois, talvez sete anos. Seu vestido rosa pálido contrastava com a arrogância que ela tentara exibir no outro dia. Hoje, ela parecia genuinamente nervosa. Sua reverência ao Rei foi profunda e respeitosa.

— Lady Amalia Von Barth, filha do Barão Arthur Von Barth — disse ela, a voz suave e um pouco trêmula.

Ela ergueu a mão esquerda, revelando sua Runa. Centelha, como os outros, mas a luz era um Âmbar Dourado-Claro. Estágio de acumulação. Senti um pequeno, e talvez mesquinho, alívio por ver alguém um pouco mais abaixo de mim.

— Runa da Centelha, estágio Âmbar Dourado-Claro — anunciou ela, a voz baixa.

— Sua afinidade, Lady Barth? — perguntou o Chanceler, o tom um pouco mais gentil.

— Terra, Chanceler — respondeu ela.

Para sua demonstração, ela juntou as mãos e se concentrou. Lentamente, um pequeno broto verde surgiu do chão de mármore a seus pés, crescendo alguns centímetros antes de murchar e desaparecer. Era uma “Gemma Vitae”, um feitiço que usava a energia da terra para estimular um crescimento vegetal efêmero. Era sutil, delicado, e exigia um controle fino, bem diferente das demonstrações mais brutas de Hugo e Oliver.

O Rei Theron pareceu um pouco mais interessado, inclinando-se ligeiramente para frente. — Um toque gentil, Lady Amalia. Promissor.

Amalia corou visivelmente com o elogio real, fez outra reverência profunda e quase correu de volta para sua família, que também era vassala dos Hoffmann. Observei-a ir, lembrando de seu pedido de desculpas silencioso no distrito comercial. Talvez ela não fosse como os outros dois.

Mais alguns jovens foram chamados, Arcanistas e Espadachins Arcanos de diferentes famílias, alguns de Sangue-Puro, outros Arcanos como eu. Vi demonstrações de afinidade com Água (um garoto criou uma esfera de água flutuante), Ar (uma garota gerou uma brisa controlada que fez as chamas dos candelabros dançarem) e mais Terra. Vi Espadachins Arcanos demonstrarem posturas básicas perfeitas ou um controle inicial do “Passus Aethereus”, fazendo um movimento rápido e curto. A maioria exibia Runas da Centelha, alguns no estágio de acumulação como Amalia, outros já na purificação como Hugo e Oliver. Ninguém, até agora, havia mostrado uma Runa da Chama.

Cada apresentação aumentava a mistura de ansiedade e determinação dentro de mim. Eu precisava fazer algo que se destacasse. Algo que mostrasse o fogo dos Freimann. Algo que fizesse jus às palavras de Mestra Margareth.

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