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Chapter 29 - Lições no Jardim e Sombras da História.

Seguimos Mestra Margareth em silêncio pelas ruas movimentadas de volta à Mansão Stein. A repreensão dela ainda ecoava em minha mente, misturada com a adrenalina residual do confronto e a estranha timidez que senti após dar o anel a Belle. Belle caminhava ao meu lado, o rosto sério, talvez refletindo sobre a bronca que também receberia, embora de forma mais sutil, como Mestra Margareth costumava fazer com ela. Os guardas, Kael e Borin, nos seguiam discretamente, suas presenças agora um lembrete constante da tensão que pairava na capital.

Ao chegarmos à mansão, Mestra Margareth não perdeu tempo. Ela nos conduziu diretamente ao salão principal, onde nossos pais e os Stein conversavam. A atmosfera relaxada que deixamos para trás havia desaparecido, substituída por uma apreensão silenciosa assim que Mestra Margareth entrou, sua expressão ainda severa.

Ela relatou o ocorrido no distrito comercial de forma concisa e direta: a provocação dos jovens nobres de Sangue-Puro, os insultos dirigidos a mim e à Nobreza Arcana, a tentativa de ataque de Oliver Von Meyer, e minha reação impulsiva de preparar um “Murum Ignis”. Ela não omitiu minha falta de controle, nem a arrogância dos outros garotos.

Vi a fúria tomar conta do rosto de meu pai. Seus punhos se fecharam e uma veia saltou em sua testa. Minha mãe levou a mão à boca, os olhos arregalados de preocupação e indignação. O Conde Albert e a Condessa Elisabeth trocaram olhares tensos; a raiva deles era mais contida, a raiva de anfitriões cujo convidado fora insultado e ameaçado, mas também a raiva de pais cuja filha testemunhara tal cena e cujo nome fora usado na provocação inicial. Até mesmo Mestra Margareth, apesar de sua repreensão a mim, deixou transparecer uma frieza em seus olhos que era mais assustadora do que qualquer grito.

— Aqueles... pirralhos insolentes! — rosnou meu pai, levantando-se. — Desrespeitar um Freimann e um convidado dos Stein em plena luz do dia! O Duque Hoffmann e os Barões Meyer e Barth ouvirão sobre isso!

— Acalme-se, Lucius — disse o Conde Albert, a voz firme, embora seus olhos também demonstrassem irritação. — Uma reclamação formal será feita, é claro. Mas precisamos agir com cautela. Os Hoffmann têm muita influência.

— Cautela? Albert, eles chamaram nosso filho e nossa linhagem de "raça imunda"! — Minha mãe raramente levantava a voz, mas sua indignação era palpável.

Mestra Margareth ergueu a mão, silenciando a discussão iminente. — Haverá tempo para lidar com os Hoffmann e seus vassalos. Agora, preciso conversar com meu aluno e bisneto. Elian, venha comigo ao jardim.

Senti um arrepio percorrer minha espinha. Uma conversa particular com Mestra Margareth depois de uma bronca pública nunca era algo leve. Assenti em silêncio e a segui para fora, em direção aos jardins bem cuidados da mansão. Belle hesitou por um momento, mas Mestra Margareth fez um leve aceno para que ela nos acompanhasse também.

Assim que chegamos a uma área mais isolada do jardim, sob a sombra de um carvalho antigo, Mestra Margareth se virou para mim. Sua expressão era séria, mas não havia mais a raiva fria que demonstrará aos outros nobres. Era o olhar de uma mestra avaliando seu aprendiz.

— Elian, entendo sua raiva. Os insultos foram vis, e a ameaça foi real. Sua reação instintiva de se defender e proteger Belle foi... compreensível. — Ela fez uma pausa, seus olhos penetrantes fixos nos meus. — Mas foi imprudente. Você quase ergueu um Muro de Fogo no meio de uma rua lotada por causa de uma provocação. O que aconteceria se você perdesse o controle? Se atingisse um inocente? O poder exige responsabilidade, e responsabilidade exige controle absoluto, especialmente em público. Você representa não apenas a si mesmo, mas sua família e, de certa forma, todos os Arcanistas perante aqueles que nos desprezam.

Suas palavras eram como pequenas agulhas, precisas e dolorosas porque eram verdadeiras. Eu havia reagido com fúria, não com a calma calculada que ela tanto tentava me ensinar.

— Sim, Mestra. Eu... perdi o controle. Não vai acontecer de novo — murmurei, envergonhado.

— Espero que não — disse ela, o tom ainda sério. — A capital é um ninho de cobras, Elian. Muitos aqui adorariam ver um Arcano "menor" perder a compostura para justificar seus próprios preconceitos. Você não pode dar a eles essa satisfação. Use sua inteligência, sua astúcia. A força bruta raramente é a melhor resposta, especialmente quando se está em desvantagem política.

Ela suspirou, e sua expressão suavizou um pouco, adquirindo um tom quase... protetor. De repente, a Mestra severa deu lugar à avó preocupada.

— Mas que aqueles pirralhos atrevidos ousem... — Sua voz baixou, e uma onda de pura fúria emanou dela, tão intensa que o ar pareceu vibrar. Os olhos dela faiscaram, e senti um poder imenso contido sob sua calma habitual. — Chamar a linhagem de vocês de imunda? Depois de tudo o que Arcanistas fizeram por este reino? A insolência da nobreza de Sangue-Puro às vezes ultrapassa todos os limites! Se eu não tivesse chegado...

A intensidade de sua raiva me assustou um pouco, embora eu tentasse não demonstrar. Era raro vê-la perder a compostura daquela forma. Mostrava o quão profundo era o insulto, não apenas para mim, mas para ela também.

Ela respirou fundo, recuperando o controle. Então, seu olhar caiu sobre Belle, que permanecera em silêncio ao meu lado.

— E você, Isabelle. Fez bem em tentar acalmar Elian. Mas lembre-se, sua posição também exige que defenda seus aliados contra insultos tão baixos. Sua presença ao lado dele já era uma declaração, mas não hesite em usar sua voz e sua influência quando necessário.

— Sim, Arquimaga — respondeu Belle, respeitosamente.

O olhar de Mestra Margareth então pousou no dedo de Belle, onde o pequeno anel de ouro com a pedra azul brilhava discretamente.

— Um belo anel. Novo? — perguntou ela, um leve brilho de curiosidade nos olhos.

Vi Belle corar violentamente de novo, assim como na loja. Ela levou a mão ao peito instintivamente, como se quisesse esconder o anel.

— E-eu... sim, Arquimaga — gaguejou ela.

— E quem lhe deu um presente tão... atencioso? — insistiu Mestra Margareth, um quase sorriso brincando em seus lábios.

Belle ficou ainda mais vermelha e lançou um olhar rápido e embaraçado na minha direção. Desviei o olhar imediatamente, sentindo meu próprio rosto esquentar. O silêncio se estendeu por um momento tenso.

— Fui eu, vovó — admiti, pigarreando. — Foi... foi um agradecimento. Pela ajuda dela. Pela conversa.

Mestra Margareth me observou por um longo momento, depois olhou para Belle corada, e então um sorriso genuíno, embora pequeno, finalmente apareceu em seu rosto. — Entendo. Um gesto... apropriado. A amizade é um tesouro raro, especialmente nestes círculos. Cuidem bem dela. Ambos.

Com isso, ela encerrou a conversa, deixando-nos no jardim com nossos pensamentos e um constrangimento compartilhado.

O jantar naquela noite foi mais silencioso do que o anterior. A notícia da gravidez da Condessa ainda trazia um toque de alegria, mas o incidente no distrito comercial pairava sobre nós como uma nuvem escura. A conversa entre os adultos era mais contida, e até Vivian parecia sentir a tensão, mantendo-se mais quieta em sua cadeira.

Eu mal toquei na comida. As palavras de Hugo Von Hoffmann – "raça imunda" – ecoavam em minha mente, junto com a repreensão de Mestra Margareth. Eu entendia que precisava controlar minha raiva, mas a profundidade do ódio naquelas palavras... por que tanto desprezo?

Durante uma pausa na conversa dos adultos, tomei coragem.

— Pai? Conde Albert? — chamei, minha voz um pouco mais baixa do que eu pretendia. Todos se viraram para mim. — Por que... por que eles nos odeiam tanto? Os nobres de Sangue-Puro. Hugo disse... ele nos chamou de raça imunda. Eu não entendo.

Um silêncio pesado caiu sobre a mesa. Vi meu pai trocar um olhar significativo com o Conde Albert e com minha mãe. Mestra Margareth, sentada à cabeceira oposta à do Conde, observava-me com uma expressão indecifrável.

Foi meu pai quem respondeu primeiro, o tom sério. — Não é simples, Elian. É uma história longa e... dolorosa para o nosso reino.

— Mas você precisa entender, querido — acrescentou minha mãe, a voz suave, mas firme. — Para saber contra o que estamos lutando, e por que seu controle e sua força são tão importantes.

O Conde Albert apoiou os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos. — A verdade, Elian, é que por muitos séculos, desde quase a fundação de Malkut, há mais de novecentos anos, aqueles nascidos com o dom arcano fora das linhagens de Sangue-Puro... bem, eles não eram vistos como pessoas, mas como ferramentas. Armas a serem usadas e descartadas.

Armas. A palavra me atingiu como um soco. Eu sabia que havia preconceito, mas não imaginava essa desumanização.

— Durante séculos — continuou meu pai —, Arcanistas e Espadachins Arcanos plebeus eram recrutados à força, treinados rudemente e enviados para as linhas de frente das guerras do reino, ou usados em trabalhos perigosos que a nobreza de Sangue-Puro considerava indignos ou arriscados demais. Eles não tinham direitos, não podiam possuir terras, não podiam ascender socialmente. Eram propriedade, na prática.

— Isso durou até cerca de cento e cinquenta e sete anos atrás — interveio o Conde Albert. — A situação se tornou insustentável. O ressentimento acumulado por gerações explodiu em uma revolta massiva. Uma guerra civil sangrenta que abalou Malkut até seus alicerces.

— A Grande Revolta Arcana — murmurou minha mãe, um tremor na voz. — Plebeus com poder arcano contra a Coroa e a maior parte da Nobreza de Sangue-Puro. Centenas de milhares morreram de ambos os lados. Cidades foram destruídas. Foi uma época terrível.

— O que mudou? — perguntei, absorvendo a magnitude daquela história.

— Hakamiah — disse Mestra Margareth, sua voz cortando o silêncio. Todos se viraram para ela. — O segundo príncipe da época. Um homem que viu a crueldade do sistema de perto.

— O Rei anterior, tataravô de Theron, permitia experimentos cruéis com Arcanistas plebeus, buscando entender e controlar melhor o poder arcano — explicou o Conde Albert, com um tom de desgosto. — Hakamiah se apaixonou por uma jovem Arcanista plebeia de grande talento. Ela foi levada para esses experimentos e... não sobreviveu. A dor e a fúria de Hakamiah o levaram a se voltar contra o próprio pai e irmão. Ele secretamente apoiou a Revolta, fornecendo recursos, estratégia e, crucialmente, legitimidade.

— Ele não estava sozinho — acrescentou meu pai. — Algumas poucas famílias de Sangue-Puro, que viam a injustiça e o desperdício de potencial naquele sistema brutal, também apoiaram Hakamiah e a causa Arcanista, arriscando tudo.

O Conde Albert assentiu gravemente, mas não elaborou. Senti um arrepio ao pensar que talvez os próprios Stein estivessem entre essas famílias.

— A guerra terminou com um acordo exaustivo — concluiu Mestra Margareth. — A criação da Nobreza Arcana foi parte desse acordo. Títulos, terras e direitos foram concedidos aos Arcanistas e Espadachins Arcanos mais poderosos e influentes que lutaram na Revolta ou que provaram seu valor ao reino desde então. Foi uma forma de reconhecer nosso poder e tentar integrar-nos à estrutura de poder, evitando outra guerra. Mas para muitos da velha guarda de Sangue-Puro, como os Hoffmann, somos apenas plebeus glorificados, uma "raça imunda" que usurpou um lugar que não nos pertence por direito de sangue. Eles nunca aceitaram verdadeiramente a mudança. O preconceito que você enfrentou hoje, Elian, é o eco amargo dessa história.

Finalmente, comecei a entender. Não era apenas arrogância; era um ressentimento histórico profundo, um medo do poder que eles não podiam controlar totalmente pelo sangue, uma recusa em aceitar que o mérito e o poder arcano pudessem valer tanto quanto uma linhagem antiga. As palavras de Hugo não eram apenas um insulto pessoal; eram o reflexo de séculos de opressão e de uma paz ainda frágil. E eu, como um Freimann, um Baronete Arcano, era um símbolo vivo daquela mudança que eles tanto desprezavam.

A compreensão daquela história sombria deu um novo peso aos meus ombros, mas também acendeu uma chama de determinação ainda mais forte dentro de mim. Eu não era apenas Elian Freimann, um garoto aprendendo artes arcanas; eu era um herdeiro daquela luta, um representante da Nobreza Arcana que precisava provar seu valor em um mundo que ainda nos via com desconfiança e ressentimento. A Apresentação Quinquenal não era mais apenas uma formalidade; era um palco onde eu precisava brilhar, não por orgulho, mas por necessidade.

No dia seguinte, encontrei Mestra Margareth no pátio de treinamento da Mansão Stein. O sol da manhã ainda estava baixo, mas o ar já carregava a promessa de um dia quente. Ela estava parada no centro do pátio, a postura impecável, a expressão neutra.

— Hoje, Elian, vamos testar sua aplicação prática em combate simulado — anunciou ela, sem rodeios. — Você contra mim. Use tudo o que aprendeu. Quero ver não apenas seu poder, mas sua capacidade de pensar taticamente, de adaptar-se, de controlar suas emoções sob pressão. Entendido?

— Sim, Mestra! — respondi, sentindo uma mistura de nervosismo e excitação. Lutar contra Mestra Margareth, mesmo em simulação, era um desafio imenso.

Ela me permitiu usar minha espada de treino, aquela que ganhei de aniversário aos três anos, com suas runas protetoras brilhando suavemente. Embora fosse uma espada real, as runas garantiam que nenhum golpe, meu ou dela, causasse ferimentos reais, apenas o impacto e a sensação do contato. Era uma ferramenta de treino avançada, permitindo um combate mais realista sem o risco de lesões graves.

Assumi minha posição, a espada em uma guarda defensiva, a mente focada, tentando lembrar de tudo que ela me ensinara sobre controle, sobre a Força de Vontade – o Querer, a Consciência, a Força Vital. A batalha começou.

Mestra Margareth não usou nenhuma arte arcana avassaladora. Em vez disso, ela se moveu com uma velocidade e precisão incríveis, usando apenas uma simples vara de madeira como arma. Seus movimentos eram fluidos, imprevisíveis. Ela pressionava meu ataque, testava minha defesa, forçando-me a reagir rapidamente.

Eu tentava manter a distância, sabendo que minha vantagem estava nas artes arcanas. Lancei um Arcus Ignis, um arco de fogo que sibilou em sua direção. Ela o desviou com um giro rápido da vara, a madeira nem mesmo chamuscada pela intensidade do calor – um testemunho de seu controle sobre a energia ambiente que a protegia.

Quando ela se aproximou, conjurei um Globus Ignis, uma esfera de fogo do tamanho de uma bola de futsal, e a arremessei. Ainda tinha dificuldade em lançá-las a mais de doze metros, mas naquela distância, era uma ameaça considerável. Ela não desviou desta vez; em vez disso, golpeou a esfera com a vara em um ponto preciso, dissipando-a em uma chuva de faíscas inofensivas.

Frustrado, usei o Tumulus Terrae, fazendo pequenas elevações de terra surgirem abruptamente sob seus pés para desestabilizá-la. Ela pareceu antecipar cada movimento, saltando levemente sobre os montículos ou usando-os como apoio para mudar de direção. Sua leitura do campo de batalha era assustadora.

Recuei, erguendo um Murum Ignis para bloquear um avanço rápido dela. A parede de chamas tremeu entre nós, mas eu sabia que não a deteria por muito tempo. Usei a breve pausa para preparar outro ataque, mas ela já estava contornando o muro, a vara pronta para golpear.

Defendi com a espada, o choque do impacto vibrando em meus braços apesar das runas protetoras. Eu estava ofegante, a concentração exigida para manter os feitiços e reagir aos seus ataques era imensa.

Foi nesse momento que Belle apareceu na entrada do pátio, observando a luta com interesse. Seus olhos encontraram os meus por um instante, e vi um brilho de reconhecimento, talvez até de encorajamento.

— Mestra Margareth, posso me juntar ao treino? — perguntou Belle, a voz clara e confiante.

Mestra Margareth parou seu avanço, um leve sorriso surgindo em seus lábios. — Uma adição interessante. Muito bem, Isabelle. Será dois contra um. Mostrem-me o que podem fazer juntos.

Belle sacou sua própria espada de treino rúnica e se posicionou ao meu lado. A dinâmica mudou instantaneamente. Com Belle cobrindo o combate corpo a corpo com sua agilidade superior, eu poderia me concentrar mais nos ataques à distância e no controle do terreno.

— Cubra-me! — gritei para Belle, enquanto preparava outro Arcus Ignis.

Belle assentiu e avançou contra Mestra Margareth. E então, eu vi. Com uma velocidade que me deixou boquiaberto, Belle pareceu deslizar sobre o chão, sua figura tornando-se um borrão momentâneo antes de reaparecer bem na frente de Mestra Margareth, a espada já em movimento. Passus Aethereus. A Arte de Aprimoramento Físico dos Espadachins Arcanos. Aquela que eu era incapaz de usar.

Uma pontada de frustração me atingiu. Por que eu não conseguia? O que me faltava? Era meu corpo? Minha conexão com a energia? Aquele sentimento de inadequação física era um contraste amargo com minha facilidade com as artes arcanas.

Mas não tive tempo para lamentações. Mestra Margareth parou o ataque de Belle com facilidade, e as duas engajaram em uma troca rápida de golpes, a vara contra a espada. Aproveitei a oportunidade e lancei meu arco de fogo.

E então, algo ainda mais surpreendente aconteceu. Enquanto Mestra Margareth desviava do meu ataque e pressionava Belle, vi a energia crepitar ao redor de Belle. Não era a energia âmbar de sua Runa ou a aura sutil do Passus Aethereus. Eram finos filamentos de luz amarela, como minúsculos raios, que dançavam ao redor de seu corpo e convergiam para sua lâmina, fazendo-a zunir com um poder elétrico crepitante.

*Corpus Fulminis*. A Arte Divergente da família Stein. Raio.

Fiquei paralisado por um instante, observando maravilhado enquanto Belle, envolta naquela aura elétrica, atacava com uma ferocidade renovada. Seus golpes eram mais rápidos, mais fortes, cada impacto da lâmina contra a vara de Mestra Margareth liberando pequenas faíscas amarelas.

Mesmo com a nova habilidade de Belle e meus ataques de fogo e terra, Mestra Margareth era simplesmente avassaladora. Ela se movia entre nós como uma sombra, desviando, bloqueando, contra-atacando com uma eficiência brutal. Em poucos minutos, estávamos ambos desarmados e ofegantes, derrotados, mas não humilhados.

Mestra Margareth baixou a vara, a respiração calma, o rosto impassível.

— Melhor. A coordenação foi hesitante no início, mas melhorou. Isabelle, seu controle sobre o Corpus Fulminis ainda é bruto, mas promissor. Elian, sua variedade tática aumentou, mas sua dependência do fogo ainda é um ponto fraco. E ambos precisam trabalhar na resistência.

Enquanto recuperava o fôlego, olhei para Belle, que também estava ofegante, mas com um brilho de excitação nos olhos por ter usado sua nova arte em combate.

— Isso foi... incrível, Belle — consegui dizer, a admiração genuína em minha voz. — O Corpus Fulminis... você foi fantástica.

Ela me olhou, surpresa pela sinceridade do elogio, e um leve sorriso surgiu em seus lábios. — Você também não foi mal, Elian. Aquele Tumulus Terrae quase a pegou.

Naquele momento, a rivalidade deu lugar a um respeito mútuo, forjado na derrota compartilhada contra uma mestra incomparável.

Mais tarde, de volta ao meu quarto, a imagem de Belle envolta em raios amarelos não saía da minha cabeça. Corpus Fulminis. Era poderoso, rápido, intimidador. Uma Arte Divergente, ligada ao elemento Fogo, mas manifestando-se como eletricidade pura. Era uma herança dos Stein, passada de geração em geração. Algo que eu, um Freimann com afinidade primária com Fogo, mas também com Terra e Ar, não poderia simplesmente aprender.

E havia o “Passus Aethereus”. Aquela velocidade quase instantânea. Por que Belle conseguia e eu não? Era uma técnica de Espadachim Arcano, Mestra Margareth havia explicado, que exigia uma sintonia fina entre o corpo e a energia arcana, uma forma de impulsionar o corpo usando a própria energia vital e a energia ambiente de forma explosiva. Talvez minha constituição física fosse diferente? Ou talvez minha energia arcana, dividida entre três afinidades, não se concentrasse da mesma forma que a de Belle, focada apenas no Fogo (e agora, no Raio)? A frustração borbulhava dentro de mim. Eu era forte com meus feitiços, mas aquela vulnerabilidade física, aquela incapacidade de usar as mesmas técnicas de aprimoramento, me incomodava profundamente.

Se eu não podia aprender a arte de raio dos Stein, talvez... talvez eu pudesse criar a minha própria? A ideia surgiu como uma faísca em minha mente. Mestra Margareth havia mencionado que o raio era uma divergência do Fogo. Mas eu também tinha afinidade com o Ar. Fogo e Ar... o que aconteceria se eu os combinasse de uma maneira específica? Lembrei-me das histórias sobre raios vulcânicos – relâmpagos gerados nas nuvens de cinza e gás superaquecido durante uma erupção. Fogo e Ar em extremo atrito e movimento.

Comecei a rabiscar em um pergaminho, não feitiços, mas conceitos. Como eu poderia usar minha Vontade para superaquecer o ar rapidamente, criando uma instabilidade, uma diferença de potencial energético? Como eu poderia direcionar essa descarga? Não seria o mesmo que o *Corpus Fulminis* de Belle, que parecia envolver seu corpo e sua lâmina. Seria algo diferente, talvez um projétil, uma descarga direcionada. "Fulmen". Raio, em latim. "Fulmen Ignis et Aeris"? Raio de Fogo e Ar? Era complexo, muito além do que eu conseguia fazer agora, mas a ideia estava plantada. A teoria começou a tomar forma em minha mente, uma mistura de princípios arcanos, observações da natureza e pura especulação. Adormeci naquela noite com diagramas de energia e runas improvisadas dançando em minha cabeça, sonhando com a possibilidade de controlar meu próprio trovão.

Os dias que se seguiram foram um borrão de preparativos finais e uma tensão crescente que parecia permear cada canto da Mansão Stein. A Apresentação Quinquenal estava sobre nós.

Na manhã do grande dia, Mestra Margareth me chamou ao seu quarto. Sobre a cama, estava estendido um traje que me deixou sem fôlego. Não era uma armadura, nem uma túnica de treino. Era uma roupa de gala formal, feita sob medida. A túnica principal era de um azul profundo, quase noturno, o mesmo azul do brasão dos Freimann, mas em um tecido que parecia absorver e refletir a luz sutilmente. Fios de ouro puro delineavam a gola alta e os punhos, formando padrões intrincados que lembravam chamas estilizadas. Sobre o peito esquerdo, bordado com uma precisão impecável, estava o nosso brasão: dois cajados cruzados em X, com uma espada passando por trás, tudo em fio de ouro reluzente sobre o fundo azul. Calças justas de um tecido escuro e botas de couro macio e polido completavam o conjunto.

— Você representará sua família e a Nobreza Arcana hoje, Elian — disse Margareth, enquanto eu admirava o traje. Sua voz era séria, mas havia um brilho de... talvez orgulho? em seus olhos. — Vista-se. E lembre-se do que falamos sobre controle e propósito. Mostre a eles não apenas seu poder, mas sua dignidade.

Assenti, sentindo um nó se formar em minha garganta. Aquele traje era mais do que apenas roupa; era um manto de responsabilidade.

Enquanto me vestia, com a ajuda de um criado da mansão, meus pensamentos giravam. A conversa sobre a história do preconceito, o confronto com Hugo e Oliver, o poder elétrico de Belle, minha própria frustração e minhas novas teorias sobre o raio... tudo culminava naquele dia. Eu precisava ser mais do que apenas um garoto de seis anos com uma Runa da Centelha forte. Precisava ser um Freimann. Precisava ser um Arcanista digno do respeito que nossa linhagem lutara tanto para conquistar.

Soube que os Stein partiriam primeiro em sua própria carruagem. Consegui encontrar Belle brevemente perto da entrada principal, enquanto ela esperava pelos pais. Ela parecia nervosa também, apesar de sua postura controlada. Não consegui ver seu traje de gala, pois ela ainda usava um manto de viagem por cima.

— Boa sorte, Elian — disse ela, a voz um pouco baixa.

— Para você também, Belle — respondi, tentando manter minha voz firme. — Mostre a eles o poder dos Stein.

Um rápido sorriso passou pelos lábios dela antes que fosse chamada por sua mãe. Observei a carruagem deles partir, sentindo uma estranha mistura de camaradagem e rivalidade. Hoje, não lutaríamos um contra o outro, mas nos apresentaríamos lado a lado.

Quando desci novamente, encontrei minha família pronta. E fiquei momentaneamente sem palavras.

Minha mãe estava deslumbrante. Usava um vestido longo de seda verde-esmeralda que realçava seus olhos e cabelos dourados. O corte era elegante e fluido, com delicados bordados prateados que lembravam folhas subindo pela saia e pelo corpete. Um colar de prata simples com uma pedra verde adornava seu pescoço, e seus cabelos estavam presos em um coque elaborado, revelando a graça de seu semblante, embora eu pudesse ver a preocupação por trás do sorriso que ela me ofereceu.

Vivian, ao lado dela, parecia uma miniatura de uma princesa. Usava um vestidinho de veludo azul-claro, com fitas de cetim brancas na cintura e nos cabelos castanhos-claros e curtos. Seus olhos azuis brilhavam de excitação, alheia à tensão do momento, provavelmente encantada com a ideia de ir a um palácio.

Mestra Margareth estava... imponente. Usava um vestido longo de um cinza-escuro profundo, quase preto, de um tecido pesado que caía em dobras severas. Nenhum bordado chamativo, apenas um broche de prata antiga com um símbolo que eu não reconhecia prendendo um manto da mesma cor em seus ombros. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque severo, e sua expressão era indecifrável, mas a aura de poder que emanava dela era inconfundível. Ela era a Arquimaga, mesmo sem o título formal.

E então, meu pai. Ele estava parado perto da janela, e a descrição que eu lera uma vez pareceu ganhar vida diante dos meus olhos. Vi o pôr do sol da manhã dourar os contornos de seu manto cerimonial, aquele azul profundo que parecia capturar a gravidade de seu olhar. Os bordados dourados nos ombros, talvez um pouco gastos, lembravam raízes ou galhos, firmes e pacientes. O medalhão do Fogo brilhava tenuemente em seu peito, sustentado pela corrente escura, uma promessa silenciosa de sua vontade indomável. O colete justo, o lenço vinho contrastando com o azul, o cinto de couro gravado... ele carregava o peso de sua posição e de sua história com uma dignidade tranquila que me encheu de um orgulho imenso e um pouco de medo. Eu era filho daquele homem.

— Pronto, Elian? — perguntou ele, virando-se para mim, um leve sorriso nos lábios, mas os olhos sérios.

— Sim, Pai — respondi, ajeitando a gola da minha túnica.

Entramos na carruagem dos Freimann, o brasão discretamente pintado na porta. O interior era confortável, mas não tão luxuoso quanto o dos Stein. Sentei-me ao lado de Vivian, de frente para meus pais e Mestra Margareth.

A viagem até o Palácio Real pareceu durar uma eternidade e passar rápido demais ao mesmo tempo. As ruas de Velunor estavam ainda mais movimentadas, cheias de carruagens nobres e pessoas vestidas com suas melhores roupas, todas convergindo para o centro da cidade.

Minha mãe conversava comigo em voz baixa, tentando me acalmar, falando sobre como era normal sentir nervosismo, lembrando-me de respirar fundo e confiar no meu treinamento. Suas palavras eram gentis, mas meu estômago parecia cheio de pedras.

Então, Mestra Margareth se inclinou ligeiramente para frente, seus olhos fixos nos meus.

— Elian — disse ela, a voz baixa, mas penetrante. — Lembra-se da promessa que me fez quando aceitei treiná-lo? Que você não seria apenas mais um Arcanista, mas alguém que deixaria sua marca?

Assenti em silêncio.

— Hoje é sua primeira oportunidade de começar a cumprir essa promessa. Não basta passar. Não basta ser adequado. Você precisa impressionar. Mostre a eles o fogo dos Freimann. Mostre a eles o potencial que eu vi em você. Faça com que se lembrem do seu nome.

Suas palavras, ditas não como uma ordem, mas como um desafio, uma invocação, acenderam algo dentro de mim. O medo ainda estava lá, mas agora misturado com uma determinação feroz. Impressionar. Sim. Eu faria isso.

A carruagem diminuiu a velocidade, e pela janela comecei a ver os contornos imponentes do Palácio Real, uma estrutura colossal de pedra branca e torres douradas que parecia tocar o céu. Paramos em uma fila de outras carruagens, aguardando nossa vez de sermos anunciados.

Finalmente, nossa carruagem avançou e parou diante de uma entrada lateral grandiosa do palácio, claramente designada para os participantes da Apresentação e suas famílias. Guardas Reais, com suas armaduras prateadas reluzentes e o brasão do dragão e da torre em seus escudos, ladeavam a entrada. Pajens apressados abriam as portas das carruagens e ajudavam os nobres a descer.

Respirei fundo quando a porta da nossa carruagem foi aberta. Meu pai desceu primeiro, oferecendo a mão para minha mãe e depois para Mestra Margareth. Peguei Vivian pela mão e a ajudei a descer os degraus, sentindo minhas próprias mãos um pouco trêmulas. O ar parecia carregado de eletricidade, uma mistura de poder arcano, expectativa e o peso da realeza.

Paramos por um momento no topo de uma pequena escadaria que levava a um corredor interno ricamente decorado. À nossa frente, um arauto com um tabardo real segurava um longo pergaminho.

Ele ergueu a voz, que ressoou no espaço com uma clareza treinada:

— Apresentando a Casa Freimann!

Meu coração deu um salto.

— Sua Senhoria, o Baronete Lucius Freimann!

Meu pai deu um passo à frente, a postura ereta, o rosto sério.

— Sua Senhora, Maria Freimann!

Minha mãe juntou-se a ele, um sorriso nervoso, mas digno, em seus lábios.

— Senhorita Vivian Freimann!

Vivian apertou minha mão, olhando maravilhada para o arauto.

— Lorde Elian Freimann!

Engoli em seco e dei um passo à frente, tentando parecer mais confiante do que me sentia, o brasão em meu peito parecendo pesar uma tonelada.

O arauto fez uma pausa dramática antes de anunciar o último nome, sua voz ganhando um tom de respeito ainda maior.

— E Sua Excelência, a Arquimaga Margareth Lindemberg!

Um murmúrio percorreu os pajens e guardas próximos ao ouvirem o título de Mestra Margareth. Senti um arrepio de orgulho e intimidação. Estávamos aqui. A Apresentação havia começado.

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