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Chapter 14 - O "INSETO" AGE

O estudante telefonou imediatamente ao Inspetor marcando um encontro com ele e com o Subinspetor Silva num parque pouco freqüentado da cidade. — Que loucura, que imprudência eu cometi não seguindo o seu conselho, e falando em besouro na casa de Cora! recriminava-se Alberto, pondo as mãos na cabeça. — O que você fez está feito, não tem mais conserto, disse o Inspetor. Deixe de se chatear, entretanto, Alberto. Tratemos de encarar a situação de frente e de tomar medidas mais positivas. Se não fosse o perigo que sua vida corre de agora em diante, diria que isso foi até bom. Permitiu-nos localizar mais ou menos o... "Inseto". Sim, de agora em diante vamos chamar o assassino de "inseto". — Mas por que terá ele me mandado um besouro... de papelão pintadoem vez de um verdadeiro, como vem fazendo com todas as suas vítimas? perguntou o pobre Alberto. — Não posso lhe responder ao certo, disse o Inspetor. A prática que adquiri na profissão, entretanto, ensinou-me que, mesmo dentro dos crimes absurdos, existe uma certa lógica. Tenho a impressão de que se o "inseto" não lhe mandou um escaravelho autêntico é porque você, apesar de ameaçado, não está dentro da "linha" dos crimes que ele pratica, pelo simples fato de não ter cabelos vermelhos. — Será que o criminoso mora mesmo em casa de Cora O'Shea? perguntou-se Alberto em voz alta. Qual deles, meu Deus? — Não notou uma expressão diferente na fisionomia de algum hóspede, ou criado, quando falou em besouros? perguntou o Inspetor. — Sim. O pior é que estavam todos reunidos na sala quando toquei no assunto. O cozinheiro servia champanha e olhou-me de modo estranhíssimo; O Sr. Gedeon baixou os olhos; Mr. Graz empalideceu e a criada quase jogou no chão a terrina com a sobremesa! — E a Senhorita Verônica? Alberto lembrou-se de que a moça estava ouvindo tudo atrás da porta, mas, num súbito impulso, decidiu protegê-la:— Verônica não se achava na sala, disse ele. É verdade que não mentira, mas... aí! A si próprio é que não podia enganar. A moça estava incluída e bem incluída na lista dos suspeitos! — Bem — tornou o Inspetor — Mr. Graz, Mr. Gedeon, o cozinheiro, a copeira, ao todo quatro suspeitos. — Cinco! — interferiu Alberto num súbito despertar de consciência —acrescentemos Verônica. O Inspetor ficou silencioso algum tempo, como se estivesse pensando, e depois disse:— Por mais que me esforce, não posso aceitar a idéia de que uma dessas cinco pessoas seja o tal "inseto"! São todas equilibradas, muito normais para se meterem numa aberração dessas! — Tenho o palpite de que o "inseto" virá de onde menos se espera, comentou Silva. Talvez alguém cujo nome ainda nem tenha sido pronunciado por nós... — De qualquer modo, continuou Pimentel, vou pôr um investigador de confiança seguindo disfarçadamente cada um dos suspeitos da pensão de Cora. Quero um relatório das atividades de cada um deles. — Vai ser difícil acompanhar essa gente sem ser suspeitado, comentou Alberto. — Qual! Com jeito tudo se arranja. O caso que mais me preocupa agora, meu caro Alberto, é o seu. É evidente que o "inseto" sabe que você está a par do segredo, e ameaçou-o, caso leve a pista à Polícia. Isso vem exigir de nós uma medida elementar, que é pôr à sua disposição o que vulgarmente se chama um "guarda-costas". Alberto abanou a cabeça em sinal negativo, como se não concordasse com a idéia, e depois disse:— Não teria o "inseto" sabido de meus passos através de algum desses "tiras" que estão seguindo os suspeitos? — Sei tanto quanto você, tornou o Inspetor. O ideal seria ficarmos só nós três cientes dos fatos. Infelizmente a situação complicou-se tanto que tivemos necessidade de recorrer a outros, se bem que sem lhes explicar os verdadeiros motivos. — Não preciso de guarda-costas, disse o estudante, depois de algum tempo. Estou bem prevenido, e de agora em diante, andarei com o revólver no bolso. Não. Não quero ninguém me vigiando. Vocês não estão vendo que, de agora em diante, eu me transformei em "isca"? — Não arrisque, Alberto, tornou o Inspetor. Isso não é brincadeira. Um pesado silêncio se fez "ouvir". Sim, "ouvia-se" aquele silêncio tão carregado de perguntas, receios, dúvidas e temores. Os três amigos despediram-se gravemente, como que separando-se para sempre. Quinze dias depois, desabou sobre a cidade um dos mais violentos temporais de todos os tempos. A coisa começou às oito horas da manhã, quando o céu se tornou de tal modo escuro que mais fazia lembrar uma antecipação da noite. Trinta minutos depois teve início um verdadeiro dilúvio, que inundou ruas e casas, derrubando pontes e casebres, levando animais e objetos na avalancha. Um velho carteiro escorregou e caiu no meio da rua, perdendo toda a correspondência que levava. E ninguém viu, levado pela enxurrada, um pequeno embrulho endereçado a Rachel Saturnino. Algumas centenas de metros adiante, o pacotinho abriu-se e um pequeno besouro sumiu-se no meio da água barrenta. * * * Rachel, bela como era, poderia escolher o marido que quisesse. Os homens, entretanto, cansavam-se dela muito depressa, tal a sua futilidade. Havia três meses que a moça, apesar de comprometida com o rico e feio Ravic, andava namorando um rapaz de fora a, amigo do vinho e de brigas. Rachel mentia, dizendo ao pai que ia visitar uma amiga, e, quase todas as noites, entre dez e onze horas, encontrava-se com o sujeito num bosque pouco freqüentado, perto de sua casa. * * * Mais ou menos uma semana depois daquela tempestade que havia provocado uma porção de desabamentos e prejuízos de toda espécie, Rachel se achava sentada num banco da praça, conversando com o tal rapaz. — Dê o for a no velho e vamos para a Europa, Rachel. Iremos morar na Itália, em Veneza. Que tal uns passeios de gôndola? A moça já estava quase disposta a fugir com ele. — Amanhã dar-lhe-ei uma resposta, disse ela. A verdade é que Rachel se via atolada numa certa confusão de sentimentos. E o compromisso com o calvo e barrigudo Ravic? A fortuna dele era uma coisa que não poderia ser desprezada assim à toa. E Alberto, por quem sentia uma atração física tão forte? Se não fosse aquela pequena e insignificante Verônica que se metera entre eles, o estudante não teria "dado o for a" nela, com certeza... — Hei de separá-los — decidiu Rachel Saturnino, cheia de ódio. — Em que está pensando? perguntou o moço. — Até amanhã, disse ela, sem dar resposta, e afastando-se, bruscamente. Haviam combinado não aparecer juntos, a fim de afastar suspeitas. O rapaz tomou um táxi que passava e Rachel saiu andando sozinha. A praça vizinha estava deserta àquela hora — quase meia-noite. Assim, à luz clara do luar, a cerca viva de "ficus" e pinheiros tomava formas estranhas, como se o jardineiro, ao recortá-las, tivesse querido reproduzir nelas figuras de monstros e duendes. Sem saber por que, a moça pressentiu algo estranho e apressou o passo. Súbito, por detrás de um tufo de "ficus", foi surgindo uma coisa... absurda... inconcebível... Rachel soltou um grito lancinante, agudo, e caiu ao chão desacordada. No mesmo instante, uma buzina forte de automóvel se fez ouvir, como que em resposta ao grito da moça. O carro parou e dele saltou um senhor de meia-idade — um médico obstetra — que, por acaso, ali passava, a fim de atender a uma parturiente. O homem correu em direção da moça e, à luz do luar, viu que estava banhada em sangue, com um ferimento no pescoço. O médico sentiu imediatamente a gravidade do caso, abaixou-se e apertou os dedos contra a carótida para ver se sustava a hemorragia, enquanto com a outra mão arrancava o lenço do bolso a fim de tentar um curativo de emergência. O primeiro impulso do obstetra foi carregar a moça até o carro e rumar a toda velocidade para qualquer hospital. A situação era crítica, entretanto, pois se ele afrouxasse a pressão dos dedos, o sangue jorraria aos borbotões e a pobre moça faleceria ali mesmo em seus braços. O único recurso era ficar ali quieto, na mesma posição e gritar até que viesse algum socorro. Alguns poucos minutos depois ele começou a ouvir um som distante, uma voz de homem que cantava acompanhada por um violão. Aproveitando a oportunidade, o médico gritou ainda mais alto, pedindo auxílio. A serenata interrompeu-se, e surgiram correndo três jovens estudantes. Em dois minutos cada um deles foi para um lado, a fim de tomar providências, e pouco depois a moça dava entrada no Hospital do ProntoSocorro. Restavam poucas esperanças de salvá-la.

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