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Chapter 2 - Capítulo 2: Sombras e Sussurros

Sombras na parede, Vento sussurra segredos, Noite não dormida.

Os dias escorriam, um após o outro, fundindo-se em um ciclo monótono e inescapável, marcado apenas pelo nascer e pôr do sol que pintavam a treliça da janela com matizes efêmeros e pelas idas e vindas da mulher de olhos cansados. Através da repetição incessante com que ela se dirigia a mim – um som suave, quase um suspiro, "Akira" – e a outros que ocasionalmente entravam no pequeno cômodo para trocas breves e abafadas, aprendi que seu nome era Sanae. Forcei-me a memorizar esse som, a agarrar ele como um náufrago a uma tábua à deriva., um dos poucos pontos de referência neste vasto oceano de incompreensão.

Acordar continuava sendo um choque violento, uma imersão forçada na dissonância cognitiva. Cada manhã trazia a mesma luta nauseante contra a realidade inescapável: este corpo pequeno, desajeitado, que respondia com um atraso exasperante aos meus comandos mentais; a dependência humilhante para cada necessidade básica, desde a alimentação até a higiene; e a barreira intransponível da linguagem, que me isolava mais eficazmente do que qualquer parede física. O pânico agudo dos primeiros momentos havia refluído, não desaparecido, mas transformado em uma corrente subterrânea de ansiedade constante, uma resignação sombria temperada por uma necessidade premente, quase desesperada, de observar, de absorver cada detalhe, cada nuance, na esperança de encontrar alguma lógica oculta, alguma chave para navegar neste pesadelo desperto.

Sanae cuidava de mim com uma eficiência tranquila, quase ritualística. Havia uma coreografia em seus gestos – a forma como me limpava com panos úmidos e mornos, o jeito como me segurava com firmeza, mas sem aperto, para me alimentar com uma papa insípida e morna que meu estômago infantil aceitava por instinto, mas minha mente adulta rejeitava com repulsa contida, a canção de ninar murmurada em sua língua estranha enquanto me ajeitava no futon macio. Seus movimentos eram práticos, quase mecânicos às vezes, como se executados por hábito e não por afeto consciente. Mas seus olhos... ah, seus olhos. Naqueles momentos de quietude, enquanto me observava adormecer ou simplesmente respirar no silêncio do quarto, eu via lampejos daquela tristeza profunda, uma melancolia que parecia impregnar o próprio ar desta casa, desta vila. Não era apenas cansaço; era um luto antigo, uma ferida que não cicatrizava.

O que ela perdeu? Quem ela perdeu? Um marido? Um filho? Uma família inteira? A pergunta flutuava em minha mente enquanto eu estudava as linhas finas que o tempo e a dor haviam gravado em seu rosto. Esta era Konohagakure, a Vila Oculta da Folha. E, se minhas memórias fragmentadas do mangá estivessem corretas quanto à sensação geral do ambiente, este era um período entre alguma das Grandes Guerras Shinobi. Geralmente, era uma época de paz precária, uma calmaria tensa construída sobre as cinzas ainda quentes de um conflito devastador. A tristeza de Sanae não era apenas pessoal; era o eco de uma dor coletiva, uma sombra que pairava sobre a aparente tranquilidade da vila.

Concentrei-me com intensidade febril em sua fala, em cada som que ela emitia, tentando isolar palavras, padrões fonéticos, mudanças de entonação, qualquer coisa que pudesse ser um ponto de partida para a decifração. Era um exercício mentalmente exaustivo e profundamente frustrante. Os sons fluíam juntos, uma correnteza de sílabas sem ganchos onde minha compreensão pudesse se firmar. Captava fragmentos – "Akira", meu suposto novo nome, repetido com frequência; talvez palavras para "comida", "água", "dormir", inferidas pelo contexto – mas eram apenas ilhas minúsculas em um vasto oceano de ruído linguístico. Minha mente adulta ansiava por estrutura, por gramática, por sintaxe, por significado, mas o cérebro infantil em que estava aprisionado ainda não possuía as conexões neurais, a capacidade de processamento para tal tarefa. Era como tentar rodar um software de tradução complexo em um hardware primitivo e danificado. A impotência era enlouquecedora.

Quando Sanae me segurava no colo, eu aproveitava cada segundo para mapear visualmente meu entorno, construindo um modelo mental do meu pequeno universo. A casa era ainda menor do que parecia inicialmente, construída com materiais rústicos – madeira escura, paredes de papel de arroz, paredes de papel de arroz que pareciam frágeis como asas de inseto, trechos de barro batido visíveis perto da fundação. Além do meu quarto, havia um cômodo principal que acumulava as funções de cozinha, sala de estar e talvez até área de trabalho, a julgar por uma pequena pilha de cestos de bambu inacabados em um canto. Uma lareira rebaixada no centro do piso de madeira – irori, a palavra fantasma ressurgiu, mais nítida desta vez – exalava um cheiro constante de fumaça fria. Utensílios básicos de cozinha pendiam de ganchos na parede ou repousavam em prateleiras simples. Em um canto discreto, um pequeno altar xintoísta abrigava tabuletas memoriais e oferendas modestas – um copo de água, alguns grãos de arroz. Um testemunho silencioso das perdas de Sanae.

Do lado de fora, através da janela de treliça ou da porta que ela às vezes deixava aberta durante o dia para arejar o ambiente, via-se um pequeno jardim que lutava contra o abandono. Algumas ervas teimosas brotavam entre as pedras, e uma cerca baixa de bambu, necessitando de reparos, delimitava o espaço minúsculo. Além dela, outras casas similares, com telhados escuros e paredes claras, se aninhavam umas nas outras ao longo de uma viela estreita e sem calçamento. A arquitetura era funcional, quase austera, desprovida de qualquer ornamento ou frivolidade. Tudo parecia voltado para a necessidade básica, para a sobrevivência, para a reconstrução silenciosa após a devastação.

Ocasionalmente, via outras pessoas – vizinhos, talvez? – passando pela viela. Suas roupas eram igualmente simples, muitas vezes remendadas com cuidado. Seus rostos, como o de Sanae, carregavam frequentemente uma expressão de preocupação velada, uma tensão subjacente mesmo quando trocavam cumprimentos curtos e formais em sua língua incompreensível. Havia uma quietude na vila, uma ausência de risadas altas ou conversas despreocupadas que contrastava com as memórias vibrantes, ainda que caóticas, da minha cidade natal.

E então, aconteceu. O momento que estilhaçou a monotonia e confirmou meus piores medos de forma irrefutável. Foi numa tarde preguiçosa, o sol já começando sua descida lenta no horizonte, pintando o céu de tons alaranjados, rosados e roxos. Sanae me segurava perto da janela aberta, talvez para que eu sentisse a brisa fresca que começava a soprar, carregando o cheiro de pinho e terra molhada das florestas circundantes. Meus olhos vagavam pelos telhados das casas vizinhas, seguindo o voo errático de uma borboleta com asas de um azul vibrante.

Foi um borrão. Um movimento tão rápido, tão fluido, que desafiava as leis do mundo que eu pensava entender. Uma sombra se desprendeu do telhado mais distante, uma silhueta escura contra o céu flamejante. Arqueou-se no ar com uma graça impossível, quase como um pássaro de rapina, e aterrissou sem o menor som no cume da casa ao lado. Por uma fração de segundo congelante, a figura ficou perfilada contra a luz moribunda. Corpo esguio, envolto em roupas escuras e justas, claramente funcionais. Uma máscara cobrindo a metade inferior do rosto, deixando apenas os olhos visíveis – olhos que pareciam varrer os arredores com uma intensidade fria e calculista. E na testa, amarrada firmemente, uma placa de metal que refletiu um último raio de sol poente – o símbolo inconfundível de uma folha estilizada gravado nela.

Ninja. Shinobi.

A palavra explodiu em minha mente com a força de um golpe físico, roubando-me o ar. Meu pequeno corpo ficou tenso como uma vara nos braços de Sanae, meu coração disparou, batendo descontroladamente contra minhas costelas frágeis, um tambor de pânico primal. O ar pareceu ficar preso em meus pulmões, espesso e irrespirável. Aquilo não era um desenho animado. Não era uma página de mangá. Era real. A agilidade sobre-humana, a presença silenciosa e potencialmente mortal... tudo horrivelmente, inegavelmente real.

A figura mascarada ficou imóvel por um instante que se estendeu por uma eternidade, a cabeça virando ligeiramente, como se estivesse escutando algo que eu não podia ouvir, talvez um sinal, talvez uma ameaça invisível. Então, com a mesma velocidade e silêncio desconcertantes, saltou novamente, um movimento fluido que o levou para fora do meu campo de visão, desaparecendo atrás de outra fileira de casas. Deixou para trás apenas a imagem residual gravada em minha retina e um terror gelado que se infiltrou em minhas veias, congelando meu sangue.

Sanae não pareceu notar. Ou, se notou, não demonstrou a menor reação. Continuou a murmurar sua canção suave, alheia ao turbilhão de pânico e choque existencial que se passava dentro de mim. Para ela, talvez fosse uma visão banal, parte da paisagem cotidiana de uma vila militarizada. Para mim, foi a confirmação final e aterrorizante. A fantasia havia se tornado carne, osso e aço frio. E suas regras, suas ameaças, suas guerras e suas mortes eram agora as minhas.

Aquele vislumbre fugaz mudou tudo. A apatia que ameaçava se enraizar cedeu lugar a uma urgência febril, uma necessidade visceral de agir, de entender, de me preparar. Observar não era mais suficiente. Eu precisava aprender a língua. Precisava entender as regras deste mundo. Precisava descobrir como sobreviver em um lugar onde figuras mascaradas saltavam pelos telhados com a naturalidade de pássaros.

As noites tornaram-se mais longas e mais tensas depois daquilo. O sono, já perturbado pela estranheza fundamental da minha situação, tornou-se ainda mais elusivo. Deitado no futon, no silêncio quase absoluto da casa adormecida, eu escutava os sons noturnos da vila com uma atenção redobrada, cada ruído, um prenúncio de perigo.

Konoha à noite era um lugar diferente, carregado de uma quietude expectante. O vento sussurrava através das frestas das paredes de papel, não mais como segredos murmurados, mas como avisos potenciais. Ocasionalmente, ouvia passos lá fora – leves e rápidos, quase inaudíveis, diferentes dos passos pesados dos civis durante o dia. Patrulhas? ANBU, a força especial de assassinos mascarados? Minha imaginação, alimentada pelas memórias do mangá, preenchia as lacunas com cenários sombrios e ameaçadores.

As sombras dançavam no quarto, projetadas pela luz pálida da lua que entrava pela janela ou pela pequena lamparina a óleo que Sanae às vezes deixava acesa no corredor por razões que eu não compreendia. As formas familiares dos móveis se distorciam na penumbra, assumindo contornos ameaçadores, monstros agachados esperando para atacar. Cada estalo da madeira da casa se assentando, cada pio distante de uma coruja na floresta próxima, fazia meu pequeno coração dar um salto doloroso.

Era o silêncio que mais me perturbava. Não era um silêncio pacífico de um lugar adormecido, mas um silêncio tenso, vigilante, como se a vila inteira estivesse prendendo a respiração, esperando pelo próximo ataque, pela próxima tragédia. A guerra havia oficialmente acabado, mas suas cicatrizes eram profundas e visíveis na tristeza de Sanae, na austeridade das casas, na tensão palpável no ar. A paz parecia frágil, como vidro fino prestes a estilhaçar ao menor impacto. A ameaça não vinha apenas dos ninjas que saltavam pelos telhados, mas da própria atmosfera carregada, da história não contada de violência e perda que pairava sobre cada casa, cada rua, cada rosto cansado.

Encolhido no futon, sentindo a textura áspera do tatame sob o tecido fino do lençol, eu lutava contra o medo que ameaçava me consumir. Fechava os olhos com força e tentava me lembrar de casa, da minha antiga vida – o barulho constante e reconfortante da cidade, a luz artificial onipresente que bania as sombras, a sensação de segurança relativa (ilusória, talvez, mas ainda assim presente). Mas as memórias estavam se tornando mais distantes a cada dia, mais etéreas, como fotografias desbotadas perdendo suas cores e detalhes.

Este lugar, Konoha, com seus cheiros de terra e fumaça, seus sons de madeira rangendo e vento sussurrante, sombras inquietas que escondiam seus ninjas, estava se tornando, inexoravelmente, minha nova realidade. E a única maneira de enfrentar o terror que isso inspirava era começar a entendê-lo, a decifrá-lo, a encontrar meu lugar nele, por mais impossível que parecesse. Começando pela linguagem. Eu repetia mentalmente os poucos sons que conseguia isolar – Akira, Sanae, Konoha – como um mantra frágil, uma âncora minúscula na escuridão avassaladora. Era um começo quase insignificante, uma gota d'água no oceano, mas era um começo. Na quietude opressora da noite, sob o olhar vigilante das sombras que pareciam vivas, fiz uma promessa silenciosa a mim mesmo, uma promessa nascida do desespero e da teimosia: eu aprenderia. Eu me adaptaria.

Eu sobreviveria. Eu não deixaria este mundo me devorar.

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