WebNovels

Chapter 1 - Capítulo 1: Renascido Entre Folhas

Folhas dançam lentas, Um olhar que não pertence, Vento frio que corta.

A primeira sensação foi a luz. Não uma luz direta, agressiva, como a de uma lâmpada fluorescente ou faróis invadindo a escuridão, mas algo mais suave, orgânico. Uma luz filtrada, dançante, que brincava sobre pálpebras que pareciam seladas com chumbo. Recusavam-se a obedecer ao comando insistente, para se abrirem. Havia um cheiro também: uma mistura estranha e primordial que preencheu minhas narinas com uma familiaridade desconcertante: terra úmida após a chuva, madeira antiga e bem cuidada, o perfume doce e quase enjoativo de flores desconhecidas, tudo isso sobre uma nota acre, quase metálica, de fumaça fria vinda de algum lugar distante. E sons... abafados, distorcidos, como se eu estivesse submerso em água morna. Um murmúrio rítmico e baixo, o farfalhar suave de tecido roçando em tecido, e o canto melancólico e agudo de um pássaro que memória não conseguia identificar.

Onde...? Onde estou?

A pergunta ecoou no vazio que deveria ser minha mente consciente, mas não encontrou palavras articuladas, apenas uma sensação avassaladora de desorientação, um pânico frio e rasteiro que começou a se espalhar a partir do centro do meu peito, como gelo se formando sobre a água. Tentei me mover, levantar um braço, virar a cabeça, qualquer coisa para afirmar minha existência, para romper a inércia. Mas meus membros pareciam feitos de uma liga pesada e desconhecida, desligados da minha vontade, respondendo com um espasmo descoordenado, um movimento curto, espástico e totalmente inútil que apenas agitou o tecido macio e quente sobre o qual eu repousava.

Não... não consigo... controlar...

O pânico intensificou-se, transformando-se numa onda gelada que subiu pela garganta, ameaçando me sufocar. Queria gritar, berrar por ajuda, exigir respostas, mas o que emergiu de meus lábios foi um som gutural, um balbucio agudo e lamentoso que me chocou até o âmago. Que som foi esse? Não era minha voz. Não era a voz rouca e ligeiramente grave de um homem de vinte e poucos anos. Era o choro fraco, estridente e desamparado de um bebê.

Com um esforço monumental, uma concentração que pareceu consumir toda a energia que eu possuía, forcei minhas pálpebras a se abrirem. A luz filtrada tornou-se mais nítida, dolorosamente clara, revelando um teto de madeira escura, com vigas robustas e expostas, o desenho intrincado dos veios naturais formando padrões hipnóticos. Pisquei repetidamente, a visão turva lutando para focar. O mundo parecia... imenso. Desproporcional. As linhas retas das vigas pareciam se estender infinitamente, ou talvez... talvez eu fosse pequeno - terrivelmente e absurdamente pequeno?

Um rosto surgiu em meu campo de visão, eclipsando a luz do teto. Era o rosto de uma mulher. Não era jovem, as primeiras marcas do tempo já se gravavam em sua pele, mas também não era velha. Linhas finas, como fios de seda marcavam os cantos de seus olhos e boca – sulcos de preocupação profunda ou talvez de sorrisos há muito esquecidos, era impossível distinguir. Seus cabelos, de um negro profundo e sem brilho, estavam presos de forma simples e funcional, revelando um pescoço esguio; seus olhos, porém, eram o que prendiam a atenção: de um castanho profundo, quase líquido, que me observavam com uma mistura desconcertante de gentileza genuína e... um cansaço profundo. Havia uma sombra persistente ali, uma tristeza antiga que pairava mesmo quando seus lábios se curvaram em um pequeno e hesitante sorriso.

Ela começou a falar. As palavras eram suaves, melódicas, quase um canto, mas completamente ininteligíveis. Uma língua que eu nunca tinha ouvido, cada sílaba um som alienígena que não encontrava nenhuma correspondência em meu cérebro. Era como ouvir uma ópera em um idioma desconhecido – podia-se sentir a emoção, a cadência, mas o significado permanecia oculto, frustrantemente fora de alcance.

Não entendo. Não entendo nada! Onde estou? Quem é você? O que aconteceu comigo? Por que estou... assim?

As perguntas gritavam dentro da prisão silenciosa da minha mente, batendo contra as paredes do crânio, mas meu corpo me traía mais uma vez. A única resposta que consegui produzir foi outro gemido infantil, um som de angústia pura que pareceu ressoar na quietude opressora do quarto. A mulher fez um som suave e tranquilizador com a língua, algo universalmente maternal, e estendeu a mão. Seus dedos, visivelmente calejados pelo trabalho manual, roçaram minha bochecha com uma delicadeza surpreendente. O toque era real, quente, inegável. Uma âncora sensorial em um mar de confusão.

Isso não era um sonho. Sonhos não tinham essa clareza sensorial, essa textura áspera e suave ao mesmo tempo, esse calor humano tangível. Sonhos não tinham esse cheiro persistente de madeira e terra.

Com a visão um pouco mais ajustada, comecei a absorver o ambiente com uma urgência desesperada, buscando pistas, qualquer coisa que pudesse me orientar. Eu estava deitado em um futon macio, quase afundando nele, coberto por um lençol leve de algodão cru. O quarto era pequeno, espartano até, com paredes de papel de arroz translúcido esticadas em molduras de madeira escura – shoji, a palavra surgiu novamente, um fragmento de conhecimento flutuando das profundezas da minha memória, surpreendente em sua clareza e inadequação ao meu pânico. O chão era coberto por tatames entrelaçados, seu cheiro seco e herbal misturando-se aos outros aromas do ambiente. Havia pouquíssima mobília: uma pequena cômoda baixa de madeira escura em um canto, algumas almofadas de tecido rústico empilhadas ordenadamente.

Era um estilo arquitetônico que eu reconhecia vagamente. Imagens de filmes de samurai, documentários sobre o Japão feudal, gravuras antigas... Mas por quê? Como eu, um homem do século XXI, vim parar em um lugar que parecia saído de um livro de história ou de uma fantasia?

A última coisa de que me lembrava era... fragmentos. Dor lancinante. Luzes ofuscantes de faróis vindo na contramão. O som agudo e ensurdecedor de metal se contorcendo, vidro estilhaçando. O cheiro acre de gasolina e borracha queimada. Um acidente de carro? Sim, parecia provável. Lembro-me da sensação de impacto, da escuridão súbita engolindo tudo. Um vazio frio, silencioso, sem sonhos, sem sensações. E agora... isto. Uma antítese completa. Calor, luz suave, sons abafados, um corpo que não respondia.

Este corpo. Olhei novamente para minhas mãos, que se agitavam debilmente no ar como pequenos caranguejos desajeitados. Dedos minúsculos, unhas perfeitas e rosadas. Não eram minhas mãos. Eram as mãos de um bebê. Meu corpo inteiro parecia pequeno, frágil, terrivelmente vulnerável e desconectado da minha consciência.

A mulher continuava a murmurar palavras suaves em sua língua desconhecida, ajeitando meu cobertor com gestos pacientes. Seu toque era gentil, quase reverente, mas cada carícia enviava uma onda de pânico existencial através de mim. Eu estava preso. Preso neste corpo infantil, neste lugar estranho, neste tempo desconhecido, incapaz de comunicar minha confusão, meu terror, minha própria identidade.

Tentei desesperadamente acessar minhas memórias, buscar uma explicação lógica, científica, qualquer coisa que fizesse sentido dentro dos parâmetros do meu mundo anterior. Reencarnação? Uma simulação de realidade virtual incrivelmente avançada? Coma e alucinação? Lembrava-me de minha vida anterior – meu nome (era mesmo Akira? Ou esse nome surgiu agora?), minha idade (vinte e poucos anos, recém-formado, buscando um rumo), minha paixão por livros, por mundos de fantasia, por análises e sistemas... O cheiro da chuva no asfalto da cidade, o som constante do tráfego, o gosto do café ruim da máquina do escritório... Detalhes nítidos, vívidos, mas pareciam pertencer a outra pessoa, a um filme que eu tinha assistido há muito tempo, uma vida distante e inacessível.

E então, havia este presente. Esta realidade inegável, inescapável. Este corpo que não era meu, esta língua que eu não entendia, esta mulher desconhecida que cuidava de mim com uma familiaridade que me assustava e me confortava ao mesmo tempo.

Minha visão vagou para além da mulher, em direção a uma abertura na parede – uma janela sem vidro, coberta por uma treliça de madeira delicada. Através dela, pude ver um fragmento do mundo exterior. Um céu de um azul pálido e límpido. O verde vibrante e quase irreal das folhas de uma árvore frondosa balançando suavemente ao vento. E, ao longe, parcialmente obscurecida pela folhagem, mas inconfundível, uma estrutura maciça esculpida na encosta de uma montanha. Rostos gigantescos, severos, imponentes, olhando para o horizonte com uma autoridade silenciosa.

Não... Não pode ser...

Meu coração infantil deu um salto doloroso no peito, um baque surdo que pareceu ecoar em meus ouvidos. Aqueles rostos... eu os conhecia. Não de livros de história. Não de documentários. Eu os conhecia de mangás. De animes. O Primeiro Hokage. O Segundo. O Terceiro.

O Monumento Hokage.

Konohagakure. A Vila Oculta da Folha.

O reconhecimento não trouxe alívio, nem a excitação bizarra de um fã encontrando seu mundo de ficção. Trouxe apenas uma nova camada de terror, mais profunda, mais fria e mais absoluta do que qualquer coisa que eu já havia sentido. Renascer era uma impossibilidade conceitual. Renascer em um mundo de ficção, um mundo de ninjas superpoderosos, de guerras sangrentas, de bijuus e poderes impossíveis... era uma sentença. Uma piada cósmica de proporções aterradoras.

O choro que escapou de mim desta vez não foi apenas o lamento de um bebê confuso e assustado. Foi um grito silencioso de uma alma perdida, uma consciência adulta presa em uma gaiola infantil, encarando um futuro que não era apenas inimaginável, mas ativamente hostil e letal. A mulher me pegou no colo novamente, embalando-me suavemente contra seu peito, murmurando canções de ninar em sua língua estranha, seu cheiro familiar e desconhecido envolvendo-me. Seu calor era reconfortante em um nível puramente físico, mas não conseguia alcançar o frio que se instalara em meus ossos, a certeza gelada da minha situação impossível.

Fechei os olhos novamente, não por sono, mas por uma necessidade desesperada de negar, de escapar, de voltar para a escuridão segura do nada. Mas não havia escapatória. A luz ainda dançava através das folhas lá fora. O vento ainda soprava, carregando o cheiro de um mundo que não deveria existir. E eu, Akira – um nome que senti pela primeira vez como meu neste instante de revelação e pavor, uma identidade forjada no absurdo – estava aqui.

Renascido entre folhas — e sozinho.

More Chapters