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Chapter 22 - Ecos da Fúria e Laços de Sangue.

A escuridão do sono não trouxe descanso completo. Flutuando em um vazio que não era nem o negrume absoluto da inconsciência nem a clareza do despertar, encontrei-me suspenso, uma consciência desprendida em um mar de nada.

"Pequeno herdeiro..." A voz ecoou, não pelos ouvidos, mas diretamente na essência do meu ser. Não era masculina nem feminina, antiga e jovem ao mesmo tempo, ressoando com um poder que fazia minha própria Centelha vibrar em resposta. "O caminho se desdobra, mas as sombras se adensam ao seu redor."

Olhei ao redor, mas não havia nada para ver, apenas a sensação daquela presença imponente. "Quem é você?" pensei, a pergunta formando-se sem som.

"Sou um eco do que foi, uma promessa do que será. Um guardião do limiar." A voz parecia sorrir, um conceito abstrato naquele vazio. "Você carrega uma luz antiga, Elian Freimann, mas também atrai a cobiça e o medo. A noite passada foi apenas o prelúdio."

"O Barão..." A imagem do rosto desdenhoso e as palavras veladas sobre Vivian surgiram em minha mente.

"Ele é apenas um peão insignificante, movido por inveja mesquinha. Mas a inveja é uma semente perigosa. Proteja os seus, pequeno herdeiro. Sua força reside não apenas na Centelha que brilha em sua mão, mas nos laços que aquecem seu coração. Lembre-se disso quando a verdadeira escuridão vier bater à sua porta."

A presença começou a se dissipar, como fumaça levada pelo vento. "Espere! Que escuridão? Como posso protegê-los?"

"O tempo revelará... Fortaleça-se. Confie naqueles que o amam. E cuidado... nem toda luz é guia, nem toda sombra é ameaça..." A última palavra reverberou e então, o silêncio retornou, mais pesado que antes.

Abri os olhos de supetão, o coração martelando no peito. A luz suave da manhã filtrava-se pela janela do meu quarto, dissipando as últimas névoas do sonho. A voz, porém, ainda ecoava em minha mente, um aviso enigmático e perturbador. Levantei-me, sentindo o frio da pulseira de platina de Belle em meu pulso, um lembrete tangível da noite anterior e de suas complexidades.

Vesti-me rapidamente e desci para a sala de jantar. O cheiro de pão fresco e mingau de aveia pairava no ar, um aroma caseiro que contrastava fortemente com a solenidade da festa e a estranheza do meu sonho. Meus pais já estavam à mesa, e Vivian balbuciava alegremente em sua cadeira alta, alheia às tensões que ainda pairavam sobre nós.

— Bom dia, Elian — disse minha mãe, forçando um sorriso que não alcançava seus olhos. A fadiga da noite anterior ainda marcava seu rosto.

— Bom dia, mãe. Bom dia, pai. — Sentei-me, pegando uma porção de mingau, mas meu apetite havia desaparecido.

Meu pai, Lucius, observou-me em silêncio por um momento, seus olhos castanho-claros perscrutando meu rosto. Ele sempre fora observador, capaz de notar nuances que outros ignorariam.

— Aconteceu alguma coisa, Elian? Você parece... perturbado. Mais do que o cansaço da festa justificaria.

Hesitei. Deveria contar sobre o sonho? Era real ou apenas minha mente processando os eventos? Decidi focar no que era concreto, na ameaça real.

— Pai... ontem à noite, depois do anúncio... aquele Barão que esbarrou em mim... — Comecei, a voz baixa.

Lucius franziu o cenho. — O Barão Valentine? O que tem ele?

— Ele... ele disse coisas. Insinuou... sobre a Vivian. — As palavras saíram com dificuldade, a lembrança daquele sorriso desdenhoso e do olhar cobiçoso em direção à minha irmã me causando um arrepio.

Meu pai largou a colher, que bateu ruidosamente contra a tigela de cerâmica. Seus punhos se fecharam sobre a mesa, os nós dos dedos brancos. Uma fúria fria endureceu suas feições.

— O quê ele disse, Elian? Exatamente.

Relatei a conversa, a forma como o Barão mencionou a

"beleza" de Vivian, como insinuou que gostaria de "visitá-la" quando ela fosse mais velha, e como seus olhos percorreram minha irmã de uma forma que me fez sentir náusea. Enquanto falava, percebi que minha própria voz tremia, não de medo, mas de uma raiva contida que eu mal conseguia controlar.

Quando terminei, um silêncio pesado caiu sobre a sala. Foi minha mãe quem o quebrou, e sua voz era irreconhecível.

— Ele disse o quê? — Maria sussurrou, mas havia um poder terrível naquele sussurro.

Olhei para ela e quase recuei. Minha mãe, sempre gentil e controlada, estava transformada. Seus olhos azul-marinho, normalmente serenos, agora brilhavam com uma intensidade sobrenatural. O ar ao seu redor parecia ondular, como se distorcido pelo calor, mas não havia calor — apenas uma energia pura e furiosa que emanava dela em ondas visíveis.

— Maria... — Meu pai estendeu a mão para tocá-la, mas hesitou, como se temesse a energia que agora crepitava ao redor dela.

— Aquele... verme... ousou olhar para nossa filha dessa forma? — Cada palavra saía entrecortada, como se ela lutasse para manter o controle. Uma fina camada de gelo começou a se formar na borda de sua xícara de chá. — Ousou ameaçá-la, mesmo que veladamente?

Vivian, sentindo a mudança na atmosfera, parou de balbuciar e olhou para nossa mãe com olhos arregalados. Para minha surpresa, ela não chorou. Em vez disso, estendeu a mãozinha em direção a Maria, como se quisesse acalmá-la.

O gesto inocente pareceu atingir minha mãe como um raio. Ela fechou os olhos, respirou fundo várias vezes, e lentamente, a energia ao seu redor começou a se dissipar. Quando reabriu os olhos, o brilho sobrenatural havia diminuído, mas a determinação em seu olhar permanecia inabalável.

— Lucius — disse ela, agora com uma calma controlada que era quase mais assustadora que sua fúria anterior. — Precisamos falar com Margareth sobre isso. Imediatamente.

Meu pai assentiu, seu próprio rosto uma máscara de fúria contida. — Sim. Mas primeiro, precisamos garantir que Vivian esteja segura. Reforçarei as proteções da casa hoje mesmo.

— E quanto a Elian? — perguntou minha mãe, voltando-se para mim com preocupação. — Ele não deveria ir ao treinamento com Margareth hoje. Não depois disso.

— Não — interrompi, surpreendendo a mim mesmo com a firmeza na minha voz. — Eu preciso ir. Preciso ficar mais forte. Para proteger Vivian. Para proteger todos nós.

Meus pais trocaram um olhar, uma comunicação silenciosa passando entre eles. Por fim, meu pai assentiu.

— Você tem razão, filho. O treinamento é mais importante do que nunca agora. — Ele se levantou, colocando uma mão firme em meu ombro. — Mas tome cuidado. E conte tudo a Margareth. Ela precisa saber.

— Sim, pai. Eu contarei.

O resto do café da manhã transcorreu em um silêncio tenso. Minha mãe mal tocou em sua comida, seus olhos frequentemente se desviando para Vivian, como se temesse que a menina pudesse desaparecer a qualquer momento. Meu pai, por sua vez, parecia perdido em pensamentos sombrios, ocasionalmente murmurando palavras que eu não conseguia distinguir.

Quando terminamos, meu pai se retirou para seu escritório, mencionando que precisava preparar alguns encantamentos de proteção. Minha mãe levou Vivian para o quarto, prometendo não deixá-la sozinha nem por um instante.

Fiquei sentado à mesa por mais alguns minutos, o peso da responsabilidade e do medo se assentando sobre meus ombros jovens. As palavras da voz do sonho ecoavam em minha mente: "Proteja os seus, pequeno herdeiro." Eu faria isso. De alguma forma, eu encontraria a força para proteger minha família.

★★★

Dois dias se passaram desde a festa e o incidente com o Barão Valentine. A tensão em nossa casa não havia diminuído. Meu pai reforçou as proteções arcanas ao redor da propriedade, símbolos rúnicos agora brilhavam sutilmente nos batentes das portas e janelas, e minha mãe raramente deixava Vivian fora de sua vista.

Naquela tarde, dirigi-me ao pequeno pavilhão nos fundos da propriedade de Margareth para meu treinamento habitual. O céu estava nublado, refletindo meu estado de espírito, e uma brisa fria agitava as folhas das árvores ao longo do caminho.

Margareth já me esperava, sentada em seu banco de pedra habitual, um livro antigo aberto em seu colo. Seus olhos perspicazes se ergueram para mim assim que entrei no pavilhão, e imediatamente percebi que ela sabia que algo estava errado.

— Você está perturbado, Elian — disse ela, fechando o livro. Não era uma pergunta.

Assenti, sentando-me no banco à sua frente. — Sim, vovó.

— É sobre o que aconteceu na festa? — Seus olhos se estreitaram ligeiramente. — Percebi uma... troca de palavras entre você e o Barão Valentine. Não consegui ouvir o que foi dito, mas vi sua reação. E a intervenção oportuna da jovem Belle.

Respirei fundo e contei a ela tudo: as palavras do Barão, a ameaça velada a Vivian, minha reação, como Belle havia me acalmado, e também sobre o sonho estranho que tive na noite passada. Margareth ouviu em silêncio, seu rosto se tornando cada vez mais grave à medida que eu falava.

Quando terminei, ela permaneceu em silêncio por um longo momento, seus dedos tamborilando pensativamente no livro fechado.

— O Barão Valentine sempre foi um homem desprezível — disse ela finalmente, sua voz carregada de desprezo. — Mas ameaçar uma criança, mesmo que veladamente... isso ultrapassa todos os limites.

Ela se levantou, caminhando até a janela do pavilhão, olhando para o céu nublado.

— Elian, há algo que você precisa saber. Algo que eu e seus pais decidimos que seria revelado apenas quando você fosse mais velho, mas as circunstâncias mudaram.

Endireitei-me, sentindo que estava prestes a ouvir algo de grande importância.

— Você sabe que sua família, os Freimann, pertencem à Nobreza Arcana. Nosso status não vem de linhagens antigas de sangue, mas do poder e da responsabilidade que cultivamos através das artes arcanas. Seu pai é um Baronete Arcano, um título conquistado por mérito e serviço. — Ela fez uma pausa, seus olhos encontrando os meus com intensidade. — Mas nossa família tem uma história mais profunda, ligada a mim.

— Ligada a você, vovó?

— Sim. Meu nome é Margareth Lindemberg. — A forma como ela disse seu nome completo carregava um peso histórico. — E antes dos tempos turbulentos que levaram à queda do antigo regime, eu era a Arquiduquesa Lindemberg, governante das terras do Norte de Malkut.

A revelação me deixou atônito. Arquiduquesa? Governante do Norte? Minha bisavó, a mulher que me ensinava a controlar a Centelha, havia sido uma das figuras mais poderosas do reino.

— Arquiduquesa... — murmurei, tentando assimilar a informação.

— Exatamente. Minha posição vinha tanto do meu poder arcano quanto da linhagem Lindemberg, uma casa antiga, sim, mas cujo poder sempre esteve atrelado à capacidade de proteger e governar o Norte. Quando o antigo Rei foi deposto, minha posição tornou-se insustentável. Recusei-me a apoiar o novo regime, que via com desconfiança o poder arcano independente. Fui forçada a renunciar ao meu título e me retirar da vida pública para proteger minha família.

Ela voltou a se sentar, seu olhar carregado de memórias complexas.

— Meu filho, seu avô, viveu sob a sombra desses eventos. Quando ele se foi, seu pai, Lucius, decidiu trilhar seu próprio caminho. Ele abraçou o título de Baronete Arcano, um título menor, mas conquistado por seus próprios méritos, sem o peso do nome Lindemberg ou das intrigas políticas do passado. Ele queria construir algo novo para a família Freimann.

— Então... a família Freimann é uma ramificação dos Lindemberg?

— De certa forma. Mas seu pai fez questão de estabelecer os Freimann como uma casa de Nobreza Arcana por direito próprio, focada no mérito e não apenas na herança de um nome poderoso ou de uma linhagem específica. É por isso que o Barão Valentine, um nobre menor de uma linhagem de Sangue-Puro sem grande poder arcano, o inveja tanto. Ele vê em você não apenas um talento promissor, mas o herdeiro de Margareth Lindemberg, a antiga Arquiduquesa, e o filho de um Arcanista que o supera em habilidade. Sua existência é um lembrete da 'inferioridade' dele.

Tentei processar tudo aquilo. Minha família era Nobreza Arcana, mas descendia de uma poderosa Arquiduquesa. Isso explicava a deferência de alguns, a inveja de outros, e talvez a presença dos Stein na festa.

— Mas por que esconder essa ligação com os Lindemberg de mim?

— Pela mesma razão que seu pai escolheu o caminho de Baronete Arcano. Para protegê-lo das complexidades políticas e dos ressentimentos ligados ao meu antigo título e ao nome Lindemberg. Queríamos que você crescesse como Elian Freimann, avaliado por seu próprio potencial, não como o bisneto da Arquiduquesa caída. — Ela suspirou. — Mas agora, com Valentine mostrando suas garras... você precisa entender a profundidade das águas em que está navegando.

— E Belle? A família Stein sabe da sua história como Arquiduquesa?

— Sim. Albert Von Stein foi protegido de meu filho, seu avô. Ele conhece nossa história e, apesar de ser um nobre de Sangue-Puro, sempre respeitou o poder arcano e a casa Lindemberg. Os Stein são uma exceção entre a nobreza de Sangue-Puro, valorizando tanto a linhagem quanto o mérito.

Margareth se inclinou para frente, seus olhos intensos.

— Elian, o que aconteceu na festa, o que Valentine disse... isso não pode ficar impune. Não apenas pela ameaça a Vivian, mas pelo insulto à casa Freimann e, por extensão, à memória da casa Lindemberg. Se ele se sentir à vontade para ameaçar a família de meu discípulo e bisneto, outros podem seguir seu exemplo.

Um calafrio percorreu minha espinha. — O que vamos fazer?

O olhar de Margareth se endureceu, e por um momento, vislumbrei a Arquiduquesa poderosa que ela um dia fora, a governante do Norte.

— Você vai continuar seu treinamento, com ainda mais dedicação. E quanto a Valentine... — Ela se levantou, uma determinação fria em seu semblante. — Deixe-o comigo. Há lições que precisam ser ensinadas, e eu serei a professora.

Algo na forma como ela disse aquilo me fez estremecer. Não era apenas a promessa de retaliação, mas a certeza absoluta em sua voz. Margareth Lindemberg não estava apenas zangada; ela estava prestes a mostrar por que, mesmo sem seu título formal, ainda era uma força a ser reconhecida em todo o reino.

---

**Margareth**

O escritório do Conde Albert Von Stein era exatamente como Margareth se lembrava: elegante sem ostentação, funcional sem austeridade. Estantes de livros cobriam duas das paredes, uma lareira crepitava suavemente na terceira, e grandes janelas na quarta ofereciam uma vista para os jardins impecáveis da propriedade.

Albert se levantou quando ela entrou, seu rosto normalmente composto mostrando sinais de preocupação.

— Margareth, sua mensagem soava urgente. O que aconteceu?

Ela não perdeu tempo com amenidades. — Valentine ameaçou minha bisneta. E insultou a casa Freimann.

Albert franziu o cenho, indicando uma poltrona para que ela se sentasse. — Conte-me tudo.

Margareth relatou o incidente da festa, as palavras do Barão, a reação de Elian, e como Belle havia intervindo. À medida que falava, o rosto de Albert se tornava cada vez mais sombrio.

— Isso é inaceitável — disse ele quando ela terminou. — Valentine sempre foi um tolo arrogante, mas isso... isso é uma violação de todas as normas de conduta. Ameaçar uma criança, especialmente a filha de um Baronete Arcano e bisneta da antiga Arquiduquesa do Norte...

— Ele não sabe que Vivian é minha bisneta — corrigiu Margareth. — Poucos sabem da minha relação com Lucius, e menos ainda com seus filhos. Foi uma decisão que tomamos para protegê-los.

— Mesmo assim — insistiu Albert. — O que ele fez é imperdoável. E como Conde e seu superior na hierarquia, posso censurá-lo formalmente.

Margareth balançou a cabeça. — Uma censura não será suficiente, Albert. Valentine precisa entender, de forma inequívoca, que há linhas que não podem ser cruzadas.

Um silêncio pesado caiu entre eles. Albert estudou o rosto de sua antiga mentora, reconhecendo a determinação implacável em seus olhos.

— O que você pretende fazer, Margareth?

— Vou resolver isso da maneira antiga. — Sua voz era calma, mas carregada de uma frieza que fez Albert se lembrar de por que ela era tão temida em seus dias como governante. — A casa do Barão Valentine não existirá mais ao amanhecer.

Albert não demonstrou surpresa, apenas uma aceitação solene. — Entendo. E quanto a Valentine?

— Ele não verá outro nascer do sol.

O Conde assentiu lentamente. — Você sabe que não posso participar diretamente disso. Minha posição...

— Não estou pedindo sua participação, Albert. Apenas seu silêncio e, talvez, sua influência para garantir que nenhuma investigação séria ocorra.

— Valentine não tem família, nem herdeiros. Vive sozinho naquela mansão decadente, com apenas alguns servos. — Albert fez uma pausa. — Acidentes acontecem. Especialmente com aqueles que brincam com forças que não compreendem totalmente.

Margareth sorriu, um sorriso frio que não alcançava seus olhos. — Exatamente.

— Devo lembrá-la que a família Freimann reside em minhas terras. — Albert se levantou, caminhando até uma pequena mesa onde uma garrafa de vinho tinto repousava. — Uma ameaça a eles, especialmente ao seu discípulo, é uma afronta que não posso ignorar. Valentine ameaçou não apenas sua família, mas também a ordem dentro do meu Condado.

Ele serviu duas taças de vinho, entregando uma a Margareth. — Isso me dá justificativa para intervir, caso seja necessário. Uma ameaça a um nobre sob minha jurisdição é uma ameaça à minha autoridade.

Margareth aceitou a taça, um brilho de aprovação em seus olhos. — Sempre o estrategista, Albert. Seu pai ficaria orgulhoso.

— Aprendi com os melhores. — Ele ergueu sua taça em um brinde silencioso. — Quando?

— Esta noite. A lua nova oferecerá a cobertura perfeita.

Albert assentiu. — Estarei em uma reunião pública no Conselho até tarde. Muitas testemunhas me verão lá. E, por coincidência, enviarei mensageiros a várias propriedades amanhã cedo, incluindo a de Valentine. A descoberta será feita por meus homens, que naturalmente reportarão a mim primeiro.

— E você, como um nobre responsável, conduzirá uma investigação apropriada.

— Que, infelizmente, não chegará a conclusão alguma. — Albert tomou um gole de seu vinho. — Algumas tragédias permanecem sem explicação.

Margareth se levantou, deixando sua taça quase intocada. — Obrigada, Albert. Não apenas por isso, mas por sua amizade ao longo dos anos. Por manter sua lealdade mesmo quando muitos se afastaram.

— Você e seu filho me ensinaram mais do que magia, Margareth. Me ensinaram honra. E eu nunca esqueci.

Ela assentiu, dirigindo-se à porta. Antes de sair, virou-se uma última vez. — Uma última coisa, Albert. Sua filha, Belle... ela tem um dom raro. Cuide bem dela.

— Sempre. — Um sorriso genuíno iluminou seu rosto. — E talvez, quando tudo isso passar, possamos discutir a possibilidade de treinos conjuntos entre ela e Elian. Acho que ambos se beneficiariam.

— Concordo plenamente. — Com isso, Margareth saiu, sua mente já focada na tarefa sombria que tinha pela frente.

★★★

A noite estava sem lua, como Margareth havia previsto. A mansão do Barão Valentine erguia-se contra o céu estrelado, uma estrutura imponente em tempos passados, agora mostrando sinais de negligência e decadência. Apenas algumas janelas estavam iluminadas, indicando a presença de poucos servos, além do próprio Barão.

Margareth se aproximou silenciosamente, suas vestes negras se fundindo com as sombras. Não havia guardas no portão principal — outro sinal da queda de status de Valentine. Um verdadeiro nobre manteria uma guarda adequada, mas Valentine havia desperdiçado grande parte de sua fortuna em jogos e prazeres frívolos.

Com um gesto sutil de sua mão, o portão se abriu sem emitir som. Margareth avançou pelo jardim mal cuidado, seus passos não deixando marcas na grama úmida. Ao se aproximar da mansão, ela ergueu as mãos, traçando símbolos complexos no ar. Runas antigas começaram a brilhar ao seu redor, flutuando como constelações pessoais.

— Selo de Contenção: Prisão de Éter — murmurou ela, e as runas se expandiram, formando uma barreira invisível ao redor da propriedade. Nenhum som escaparia dali esta noite. Nenhum servo fugiria para contar histórias.

Margareth entrou na mansão pela porta dos fundos, que se abriu ao seu comando silencioso. Os corredores estavam escuros e silenciosos, mas ela não precisava de luz para se guiar. Décadas de prática haviam afiado seus sentidos arcanos a ponto de poder sentir a presença de cada ser vivo no edifício.

Três servos dormiam no andar térreo. O Barão estava em seu escritório no segundo andar, sozinho, provavelmente bebendo, como era seu costume noturno.

Margareth subiu as escadas sem pressa. Não havia necessidade de se apressar. O destino de Valentine já estava selado no momento em que ele ousou ameaçar sua família.

A porta do escritório estava entreaberta, uma fresta de luz escapando para o corredor escuro. Margareth a empurrou suavemente, revelando o Barão sentado atrás de uma mesa ornamentada, uma garrafa de conhaque pela metade à sua frente.

Valentine ergueu os olhos, sobressaltando-se ao vê-la.

— Margareth Lindemberg? O que... como você entrou aqui?

Ela avançou para dentro do cômodo, fechando a porta atrás de si. — Boa noite, Valentine. Espero não estar interrompendo nada importante.

O Barão se levantou, uma mistura de confusão e irritação em seu rosto. — O que significa isso? Você não pode simplesmente invadir minha casa no meio da noite!

— E você não pode ameaçar minha família. — A voz de Margareth era calma, quase conversacional, mas seus olhos brilhavam com uma fúria gelada. — Especialmente não uma criança inocente.

Valentine empalideceu ligeiramente, mas logo recuperou sua arrogância. — Não sei do que você está falando. E mesmo que soubesse, o que pretende fazer? Você não tem poder aqui, Lindemberg. Seus dias como Arquiduquesa acabaram há muito tempo.

Um sorriso frio curvou os lábios de Margareth. — É esse seu erro, Valentine. Confundir título formal com poder real.

Ela ergueu a mão direita, e o ar ao redor dela começou a ondular, carregado de energia arcana. Valentine recuou, derrubando sua cadeira.

— O que... o que você está fazendo? — Sua voz agora tremia.

— Estou lhe ensinando uma lição que você, infelizmente, não viverá para aplicar. — Margareth começou a traçar símbolos no ar com a mão esquerda, enquanto a direita mantinha o Barão imobilizado com uma força invisível. — Arte Proibida: Manipulação da Alma.

Os olhos de Valentine se arregalaram em terror. — Não! Você não pode... isso é proibido! Você será executada por isso!

— Apenas se alguém descobrir. — Margareth completou o último símbolo, e uma luz azul-escura emanou de suas mãos, envolvendo o corpo do Barão. — E ninguém descobrirá.

Valentine tentou gritar, mas nenhum som saiu de sua boca. Seu corpo começou a convulsionar, enquanto a luz azul penetrava em sua pele, buscando sua essência vital.

— Você ameaçou uma criança, Valentine. Minha bisneta. — A voz de Margareth era implacável. — Por isso, não apenas sua vida está perdida, mas sua alma também. Não haverá descanso para você. Não haverá além. Apenas o vazio.

Os olhos do Barão se arregalaram ainda mais ao compreender o horror completo do que estava prestes a acontecer. Lágrimas de terror escorriam por seu rosto enquanto ele tentava, em vão, implorar por misericórdia.

O Barão Valentine urrava.

O som não era humano. Era algo rouco, distorcido, um grito nascido da junção do pavor e da agonia. Seu corpo tremia descontroladamente, como se estivesse sendo dilacerado por dentro. Veias saltavam sob sua pele, pulsando com uma luz azulada que não pertencia a este mundo. Os olhos dele, outrora frios e calculistas, agora reviravam, tomados de puro desespero.

Margareth avançou um passo.

Com a mão fechada, envolta em energia arcana, ela canalizava decadas de saber e dor acumulada. Sua voz era um sussurro, mas carregava o peso de uma sentença ancestral.

— Você arrancou vidas como se fossem ervas daninhas… você ameaçou minha bisneta, e agora, sentirá cada fio da sua ser extirpado.

Ela girou o punho, e o ar ao redor do Barão crepitou. Uma rajada de energia azul, densa como neblina e cortante como gelo, se espalhou por seu corpo, penetrando-o pelos poros, pelos olhos, pelas unhas. Ele arqueou as costas com um estalo horrível, as mandíbulas trincando ao ponto de quase se quebrarem.

— P-para… por favor… — balbuciou ele, os lábios já arroxeados, os dentes manchados de sangue.

Mas não havia piedade em Margareth.

Ela estendeu os dedos, e foi como se pinçasse algo invisível dentro dele. Valentine estremeceu, os olhos arregalados. Um som sufocado escapou de sua garganta. Estava além da dor física agora — era como se estivessem arrancando sua própria essência, fio por fio, do âmago da alma.

— Vidam Essentia… — sussurrou Margareth.

A luz azul se condensou. Um torvelinho de energia começou a girar em torno da mão dela, puxando algo do interior do Barão. Ele gritava, implorava, contorcia-se no chão como um animal ferido, mas seus músculos já não obedeciam. A energia azul se tornou branca — pura, fria, e mortal.

E então, com um movimento final, Margareth puxou.

O corpo de Valentine enrijeceu num último espasmo, os olhos congelados de terror fixos no teto. Depois, caiu sobre o tapete com um baque surdo — mas o mais horrível não era o corpo.

Flutuando entre os dedos de Margareth estava sua alma: uma essência pálida, trêmula, que tentava escapar, debater-se, mas era tragada lentamente pela luz que queimava em sua mão.

Margareth a observou por um instante — não com prazer, mas com o peso de quem cumpre uma justiça inevitável.

— Que sua dor ecoe no vazio por onde caminhar — murmurou ela.

E com um gesto suave, mas irredutível, fechou a mão.

A essência se desfez em uma chuva de fragmentos azuis.

E o Barão Valentine… deixou de existir.

Margareth olhou para o corpo sem vida por um momento, sem remorso em seus olhos. Então, ergueu ambas as mãos para o teto.

— Arte Arcana: Purificação pelo Fogo.

Chamas azuis surgiram do nada, primeiro consumindo o corpo de Valentine, depois se espalhando pelo escritório, pelas paredes, pelo teto. O fogo arcano era diferente do fogo comum — queimava mais quente, mais rápido, e não deixava cinzas, apenas um vazio absoluto.

Margareth caminhou calmamente para fora do escritório, descendo as escadas enquanto as chamas se espalhavam por toda a mansão. Os servos, presos em um sono arcano profundo, não sentiriam dor quando o fogo os alcançasse.

Ao sair da propriedade, Margareth se virou uma última vez para contemplar seu trabalho. A mansão inteira estava envolta em chamas azuis, um espetáculo terrível e belo contra o céu noturno sem lua.

— Ninguém ameaça minha família — murmurou ela para a noite. — Ninguém.

Com um último gesto, ela desfez o Selo de Contenção, permitindo que o fogo fosse visto à distância. Seria interpretado como um incêndio comum, talvez causado por uma vela esquecida ou uma lareira mal apagada. E quando as investigações começassem, Albert garantiria que nenhuma pergunta incômoda fosse feita.

Margareth Lindemberg desapareceu nas sombras, deixando para trás não apenas ruína, mas um aviso claro e silencioso: para quem ousasse ameaçar os seus, a antiga Arquiduquesa — agora Arquimaga, temida como a Bruxa da Alma — ainda possuía garras. E elas matavam.

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