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Chapter 22 - O BEMBIDION USTULATUM

Alberto telefonou cedo para Verônica, mas ela já havia partido. O 

enterro de Padre Afonso, realizado à tarde, foi concorridíssimo. Cora quis 

levar o corpo de Mr. Graz para a pensão, mas Alberto e o Inspetor pediram

lhe que não fizesse isso. Os dois haviam sido muito amigos em vida, que o 

fossem na morte também. Ambos os féretros saíram da Paróquia, com 

grande acompanhamento. 

No dia seguinte, pouco depois de oito horas, o Inspetor mandou um 

recado para o estudante pedindo-lhe que fosse à Polícia. 

— Meu caro Alberto — começou ele, tirando o besouro do bolso. — 

Vamos ver se descobrimos a espécie de morte que o "inseto" reservava para 

o padre. 

E os dois homens se puseram a examinar o pequeno escaravelho marrom 

de reflexos esverdeados. 

O Inspetor buscou na estante uma série de livros sobre coleópteros e 

começou a procurar alguma indicação sobre o escaravelho, auxiliado por 

Alberto. Não encontraram nada. 

Já era quase meio-dia quando os dois, já cansados, pensaram em desistir 

da busca... naquele dia, pelo menos. A curiosidade era grande, entretanto, e 

eles se lembraram de consultar um entomólogo-amador que havia na cidade 

e que possuía biblioteca especializada. 

O homem — um senhor calvo e de óculos — recebeu-os com 

amabilidade, prontificando-se a auxiliá-los. 

Examinou o besouro e disse: 

— Família Trechidae... deixe-me ver agora o nome dele. Parece-me ser 

um Bembidion... Vejamos. Buscou uma coleção completa de brochuras 

coloridas o "Nouvel Atlas D'Entomologie" — Coleoptères de France. No 

Fascículo I do nº 9 — encontrou afinal o que buscava. 

— Bembidion ustulatum! — exclamou ele, vitorioso — Ei-lo... 

E mostrou na "Planche II" figura 32, uma reprodução exata do besouro. 

— Ustulatum não quer dizer... queimado? — perguntou o Inspetor, 

ligeiramente inquieto. 

— Isso mesmo — tornou o entomólogo. 

Alberto e seu amigo trocaram um olhar significativo, em silêncio. 

— Obrigado — disse o policial despedindo-se — O senhor nos prestou 

um grande serviço. 

— Sempre às suas ordens. 

Já eram três horas da tarde, e eles ainda não haviam almoçado. 

*** 

Munido de sua bengala de cabo de marfim, o Inspetor, acompanhado de 

Alberto, examinava as vizinhanças e os escombros da capelinha de madeira. 

Cutucava daqui e dali, observando sempre todos os resíduos que encontrava. 

— Não sei como nos passou despercebida uma certa coisa — disse ele 

—: o fogo foi demasiado violento, tão violento que não deu tempo nem do 

Padre nem de Mr. Graz correrem para fora, o que, num incêndio normal, 

seria perfeitamente possível. 

— O fato da capela ser toda de madeira não explica, em parte, o rápido 

alastramento das chamas? 

— Não creio. Pensando bem, só um inflamável poderoso espalhado no 

lugar seria capaz de produzir uma coisa dessas proporções. Minha impressão 

é de que o "inseto", depois de se certificar da presença do padre no 

confessionário, atirou uma bomba na igreja. 

— O "inseto" nos venceu mais uma vez, hem? — comentou Alberto. 

O policial andava de um lado para outro, cutucando o chão com sua 

bengala de cabo de marfim. Súbito estacou, e abaixou-se para apanhar 

qualquer coisa que havia chamado sua atenção. 

— Duralumínio! — exclamou ele, examinando o achado. — Minhas 

suspeitas se confirmaram. Eis aqui, meu caro, um pedacinho da espoleta de 

uma granada de mão! 

— Não é possível... — dizia o estudante, horrorizado. 

— Alberto, veja! — gritou o Inspetor mostrando-lhe outra coisa que 

acabava de encontrar no chão. 

O estudante olhou sem compreender para o que lhe pareceu nada mais 

que um pedacinho insignificante de arame. 

— O grampo que solta o percussor! — disse o policial, excitado. 

Um pouco mais adiante, foi achado um pedaço de garrafa com vestígios 

de gasolina gelatinosa. 

— Deus do céu... Restos de bomba Nepal! — exclamou o Inspetor, no 

auge do espanto. 

— Pouco entendo disso... — confessou Alberto. 

— Cuidado — tornou o policial — Não vá tropeçar... Sobretudo, nada de 

cigarros. Ainda há perigo por aqui... 

Alguns minutos depois os dois amigos se dirigiram para a casa paroquial 

onde ficara morando o sacristão, até que chegasse o substituto do Padre 

Afonso. 

*** 

— Meu amigo, disse o Inspetor, talvez você ignore que essa gasolina 

gelatinosa é um terrível inflamável inventado na guerra passada, sendo o 

combustível dos modernos lança-chamas. Infelizmente conheço bem esse 

assunto, pois servi como soldado na última guerra. Não posso imaginar, 

entretanto, como é que o "inseto" conseguiu essa granada cujos vestígios 

acabamos de encontrar. Chego a supor que "ele" a tenha adquirido através de 

algum antigo combatente. 

— Talvez tenha sido soldado ele mesmo, quem sabe? 

— O que mais me surpreende é a paciência e precisão com que o 

"inseto" planejou os crimes, não se descuidando dos menores detalhes. 

— Vê-se que ficou estudando o "assunto" muito tempo... tornou Alberto 

com ironia. Afinal de contas, que acha disso tudo? Ainda crê na 

culpabilidade de Verônica? 

— O mais irritante é que todos os possíveis suspeitos se achavam nas 

vizinhanças da capela no momento do incêndio, disse o Inspetor, sem 

responder, propriamente, à embaraçosa pergunta de Alberto. 

— Todos, menos Elza, a copeira de Cora, e Mr. Graz, que foi 

automaticamente eliminado da lista, continuou o Inspetor. 

— Que vamos fazer agora? disse o estudante. Lembre-se de que não há 

mais ruivos na cidade. Com Padre Afonso, foi-se o último deles. Acha que o 

"inseto" continuará a praticar as suas loucuras? 

— Quase posso afirmar que não. A menos que surjam turistas de cabelos 

vermelhos na cidade... 

Alberto ficou silencioso, pensando. 

Súbito, os olhos se lhe iluminaram como se tivesse tido uma revelação. 

— E eu que não havia desconfiado disso! exclamou ele. 

— O quê? 

— O volume que Mr. Gedeon estava lendo, quando vocês foram na loja 

dele, é igual ao do entomologista, onde vimos o "Bembidion ustulatum"! 

— Tem certeza? 

— Quase... 

Vamos verificar isso já. O Inspetor embrulhou os restos da granada num 

pedaço de jornal e saiu com Alberto. Meia hora depois entraram em sua sala. 

O policial tirou a brochura da gaveta e obteve confirmação do que 

Alberto dissera. O volume era o mesmo: Fascículo I, n.° 9, do "Coleoptères 

de France". 

— Mandarei uma intimação a Phillip para que venha à Polícia, hoje à 

noite, decidiu o Inspetor. 

— Por que não agora? 

— Quero conversar primeiro com a gente do bairro que esteve com o 

Padre pouco antes do incêndio. 

— E os que vieram de longe para se confessar com ele? Não se pode 

adivinhar quem seja... 

— Isso fica para depois... 

Às seis horas da tarde os dois amigos chegaram à casa paroquial. O 

sacristão repetiu mais uma vez a conversa que tivera com o Padre, desde o 

momento em que este voltara da excursão. 

— Nunca vi homem tão corajoso, comentou Alberto. 

— Sabe quais as pessoas que estiveram com ele na igreja aquela noite? 

perguntou o Inspetor ao sacristão. 

— Todas as tardes vinha bastante gente de fora. Conheço-os de vista, 

mas não lhes sei os nomes. Vou chamar uma moça que mora aqui perto. 

Essa eu tenho certeza. 

Dez minutos depois, entrou uma jovem de cabelos louros, simplesmente 

trajada. Chamava-se Carmela e era filha de italianos. 

— Notou alguma coisa de extraordinário, quando se confessou com o 

Padre, senhorita? 

— Não. 

O Inspetor tirou do bolso algumas fotografias e mostrou-as à moça. 

— Conhece essas pessoas, ou viu se alguma delas entrou na capela antes 

de ontem à noite? perguntou ele. 

Carmela examinou uma por uma as fotografias e apontou para a de Mr. 

Graz: 

— Vi esse homem aqui várias vezes... Confessava-se sempre com Padre 

Afonso. 

Em seguida mostrou o retrato do cozinheiro: 

— Esse também já andou por aqui. Vi-o antes de ontem, à noite, perto da 

igreja. 

Cora já havia informado a Alberto que o cozinheiro estava de folga 

aquele dia. 

Quanto a Verônica e Mr. Gedeon, a irlandesa nada pôde informar, pois 

costumava jantar com uma amiga nos dias de folga do cozinheiro. Só fora 

saber que Verônica havia chegado tarde da noite, depois do... crime 

consumado. 

Carmela falava pouco, e quase nada mais disse, retirando-se logo. 

— Tudo está contra nós, suspirou o Inspetor, tristemente. É bem 

provável que o "inseto", protegido pela escuridão, tenha se aproximado da 

igreja, atirado a granada e... escapulido... 

— Que vai fazer? 

— No momento, deter Mr. Gedeon e o cozinheiro. As informações que 

pedi sobre Phillip à Polícia norte-americana não devem tardar. 

— E Verônica? 

— Conforme o rumo que as coisa tomarem, terei de mandar buscá-la 

onde está. 

Duas pessoas ainda prestaram depoimento, ambos sem grande interesse. 

Havia luar quando ambos, o Inspetor e o estudante, voltaram para a 

cidade. 

* * * 

No dia seguinte, cedo, o correio trouxe uma carta com o nome e o 

endereço de Alberto, desenhados a tinta, em letra de forma. 

Adivinhando logo quem a escrevera, o estudante abriu-a com 

sofreguidão: 

"Cumpriu-se o plano previamente traçado. Fez-se justiça, afinal. Hugo 

foi o primeiro, e Padre Afonso, o último: Jamais suspeitarão quem foi... O 

Inseto". 

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