Poeira se ergue, Dois corpos em movimento, Orgulho desafiado.
Os dias na Academia continuavam seu ritmo implacável. As aulas teóricas sobre história e tática eram um bálsamo para minha mente faminta por informação, mas eram os treinos práticos de taijutsu que dominavam a maior parte do nosso tempo e energia. Sob o olhar vigilante de Iroha-sensei e, ocasionalmente, de outros instrutores assistentes, éramos submetidos a uma rotina exaustiva de exercícios de condicionamento, prática de posturas (kata) e, o mais temido e esperado por muitos, os combates simulados (kumite).
Meu progresso no taijutsu era lento e árduo. A falta de força física inerente ea coordenação ainda imatura do meu corpo infantil eram desvantagens significativas. Enquanto crianças como Kenji, claramente beneficiadas por treinamento prévio ou talento natural, executavam os movimentos com força e velocidade crescentes, eu lutava para manter a postura, para gerar impacto em meus golpes hesitantes.Era como gritar ordens num campo de batalha onde os soldados – meus músculos infantis – se recusavam a obedecer.
Compensava como podia: com observação. Enquanto os outros se concentravam em imitar a forma, eu tentava dissecar a mecânica por trás de cada movimento. Analisava o centro de gravidade de Iroha-sensei durante suas demonstrações: a forma como ela transferia o peso, a angulação de seus golpes para máxima eficiência. Observava meus colegas, notando seus pontos fortes, mas principalmente suas fraquezas: a tendência de Kenji de atacar de forma direta e previsível quando irritado, a hesitação de Hana antes de se comprometer com um golpe, a rigidez defensiva do menino Hyuuga.
Armazenava essas observações, criando um banco de dados mental. Minha vantagem não seria a força ou a velocidade, pelo menos não no início. Teria que ser a inteligência, a capacidade de antecipar, de explorar aberturas, de usar a força do oponente contra ele mesmo – conceitos que eu lembrava vagamente de artes marciais e estratégias da minha vida passada.
Foi em uma tarde particularmente quente e poeirenta que Iroha-sensei decidiu que era hora de nosso primeiro kumite supervisionado. Não era uma luta real, ela enfatizou, mas um exercício para aplicar as posturas e os bloqueios básicos que vínhamos aprendendo, com foco no controle e na técnica, não na vitória a qualquer custo.
"Formem duplas," ela instruiu, sua voz cortando a excitação nervosa que percorreu a turma. "Quero ver o que aprenderam. Lembrem-se: controle. Sem força excessiva. O objetivo é praticar, não machucar o colega."
Meu estômago deu um nó. Combate. Mesmo simulado, a ideia me deixava apreensivo. Olhei ao redor, esperando ser pareado com Hana, com quem eu tinha desenvolvido uma dinâmica de treino mais colaborativa. Mas o destino, ou talvez a intenção de Iroha-sensei, tinha outros planos.
"Akira. Kenji." A voz da sensei soou, e senti um arrepio percorrer minha espinha. Olhei para Kenji, que já me encarava do outro lado do campo de treino com um sorriso arrogante e um brilho de antecipação nos olhos. Aquilo não era um exercício para ele; era uma oportunidade de me colocar no meu lugar, de reafirmar a hierarquia que ele acreditava existir.
Respirei fundo, tentando acalmar os nervos. Caminhamos para o centro de uma das áreas demarcadas no chão de terra batida. Fizemos a saudação formal, curvando-nos um para o outro, mas o olhar de Kenji era tudo, menos respeitoso. Era predatório.
"Prontos?" Iroha-sensei perguntou, posicionando-se para observar de perto. "Comecem!"
Kenji não perdeu tempo. Assim que a palavra foi dita, ele avançou, rápido e direto, com um soco direcionado ao meu peito. Era o ataque básico que havíamos praticado, mas executado com uma velocidade e força surpreendentes para sua idade. Instintivamente, tentei o bloqueio padrão, cruzando os antebraços. O impacto foi mais forte do que eu esperava, fazendo-me recuar um passo, meus braços formigando.
Ele não está se contendo, percebi com um calafrio. Ele quer me machucar, ou pelo menos me humilhar.
Ele não me deu tempo para recuperar o fôlego. Seguiu com uma sequência rápida de socos e chutes baixos, forçando-me a recuar continuamente, bloqueando desajeitadamente. Eu estava puramente na defensiva, incapaz de encontrar uma abertura para contra-atacar. O estilo de Kenji era agressivo, focado em sobrepujar o oponente com pressão constante.
Ouvi algumas risadinhas vindas dos outros alunos que observavam. Senti minhas bochechas esquentarem de vergonha e frustração. Minha mente gritava comandos – mova-se para o lado, encontre um ângulo, use a força dele – mas meu corpo reagia com lentidão, sobrecarregado pela velocidade e agressividade do ataque.
Pense, Akira, pense! Forcei-me a focar, a ignorar a dor nos braços e o barulho ao redor. Observação. Padrões. Kenji era rápido e forte, sim, mas seus ataques eram diretos. Ele avançava em linha reta, telegrafando suas intenções. E notei uma tensão em seus ombros, uma rigidez em sua postura que sugeria que ele estava colocando muita força em cada golpe, talvez sacrificando a estabilidade.
Ele avançou novamente, preparando outro soco potente. Desta vez, em vez de bloquear de frente, fiz algo diferente. No último segundo, girei meu corpo para o lado, não bloqueando o golpe diretamente, mas desviando sua trajetória com um toque leve no cotovelo dele, usando o mínimo de força possível. Ao mesmo tempo, usei o pé para varrer levemente seu tornozelo de apoio enquanto ele passava por mim.
Não foi um golpe forte, nem uma técnica avançada. tratava-se de um redirecionamento sutil, explorando o impulso e o equilíbrio comprometido de Kenji. Pego de surpresa, seu corpo continuou o movimento do soco potente que não encontrou resistência, enquanto seu pé de apoio escorregava. Foi um instante – rápido como uma folha levada pelo vento – mas suficiente para desmontar seu ímpeto. Ele tropeçou, perdendo a base, e caiu desajeitado na poeira com um baque surpreso.
Um silêncio chocado caiu sobre o campo de treino. Ninguém esperava aquilo, muito menos Kenji. Ele ficou ali sentado por um momento, atordoado, a poeira grudada em seu uniforme e em seu rosto incrédulo.
Eu permaneci em minha postura defensiva, o coração batendo forte, a respiração ofegante, esperando sua reação. Não senti triunfo, apenas um alívio tenso por ter conseguido sobreviver ao ataque inicial e uma apreensão sobre o que viria a seguir.
Kenji se levantou lentamente, limpando a poeira da roupa. Seu rosto estava vermelho, uma mistura de humilhação e fúria crescente. Seus olhos faiscavam.
"Sorte," ele cuspiu, a voz baixa e rouca. "Você apenas teve sorte, seu... seu nada!"
Ele veio para cima de mim novamente, mas desta vez sua agressividade era descontrolada, quase selvagem. Seus golpes eram mais rápidos, mais fortes, mas também mais previsíveis, mais abertos. Ele havia perdido a compostura.
Lembrei-me das palavras de Iroha-sensei: controle. Eu não podia me dar ao luxo de ser arrastado para uma briga de força bruta. Continuei a me mover, a desviar, usando movimentos circulares para evitar o confronto direto, buscando ângulos, esperando por outra abertura. Bloqueei alguns golpes, desviei de outros. Era como dançar com um touro furioso, exaustivo e perigoso.
"Chega!" A voz de Iroha-sensei cortou o ar como uma faca. Kenji congelou no meio de um ataque, sua respiração pesada. Eu parei também, aliviado pela intervenção.
Iroha aproximou-se, seu rosto impassível, mas seus olhos eram afiados. Ela olhou para Kenji, depois para mim.
"Kenji," ela disse, a voz calma, mas com uma autoridade inquestionável. "O objetivo era praticar controle e técnica. Você perdeu o controle. Sua agressividade o deixou vulnerável." Ela se virou para mim. "Akira. Sua defesa foi reativa, mas você usou a observação e o movimento para explorar a abertura do seu oponente. Uma tática inteligente, embora sua execução ainda precise de muito trabalho." Ela fez uma pausa, olhando para nós dois. "Ambos têm muito a aprender. Dispersar."
Kenji lançou-me um olhar carregado de ressentimento antes de se afastar pisando duro. Senti os olhares curiosos dos outros alunos sobre mim. Alguns pareciam surpresos, outros talvez um pouco impressionados. Hana sorriu para mim, em um gesto silencioso de encorajamento.
Eu me curvei para Iroha-sensei e me retirei para a borda do campo, meu corpo tremendo levemente pela adrenalina e pelo esforço. Eu não tinha "vencido" no sentido tradicional. Mal tinha conseguido me defender. Mas tinha feito algo inesperado. Tinha usado minha mente, minha observação, para neutralizar uma força física superior, mesmo que brevemente.
As primeiras faíscas da rivalidade com Kenji haviam sido acesas, e eu sabia que aquilo era apenas o começo. Mas também, em meio à poeira e à tensão, uma centelha se acendeu dentro de mim. Talvez, apenas talvez, meu caminho neste mundo não fosse ser definido apenas pela força bruta e pelas raizes de seu nascimento. Talvez a inteligência, a estratégia e a compreensão pudessem ser minhas armas. A jornada seria longa, mas pela primeira vez, senti que tinha encontrado uma trilha, por mais tênue que fosse.