O inverno chegou cedo naquele ano.
As montanhas ao redor do templo ficaram cobertas por uma neve espessa, e os ventos cortavam como lâminas. Muitos discípulos foram dispensados dos treinos ao ar livre, mas não Therys e Rhaziel.
— O poder não respeita estações — dizia Vhaen. — Nem os inimigos esperam tempo bom para atacar.
Eles agora treinavam em terrenos abertos, isolados dos outros. As sessões eram longas, cansativas, e envolviam testes de resistência, magia combinada e estratégias improvisadas.
Certa manhã, Vhaen surgiu com dois pergaminhos selados.
— Vocês serão enviados para regiões diferentes — disse. — Cada um terá sua própria missão. Hora de provar que conseguem se manter de pé... mesmo separados.
Rhaziel cerrou os punhos.— Separados?
— É necessário — disse Therys, antes que o irmão protestasse. — Nossos caminhos não serão sempre os mesmos.
Rhaziel respirou fundo.— Então que nos encontremos no fim deles.
Os selos se romperam. Rhaziel partiria para o sul, até os campos vulcânicos de Valtraz, onde tribos antigas lutavam contra espíritos de cinzas. Therys seria enviado ao norte, à cidade congelada de Mirhan, onde surtos de magia descontrolada ameaçavam o equilíbrio local.
Antes da partida, os dois se encontraram no terraço mais alto do templo.
O vento era gelado. A neve caía devagar, mas não os tocava — o calor natural de Rhaziel e a aura gélida de Therys repeliam as partículas.
— Cuide-se — disse Therys, com a voz baixa.
— Você também. E, se precisar, queime o mundo… mas só o suficiente — brincou Rhaziel, com um meio sorriso.
Foi a primeira vez que riram juntos em muito tempo.
A missão de Therys começou tensa. Mirhan era uma cidade bela, mas assombrada. Cristais de gelo surgiam nos tetos das casas como se brotassem da madeira. Crianças acordavam com as mãos congeladas, e ninguém sabia de onde vinha a magia.
Therys passou os primeiros dias estudando, observando, ouvindo os moradores em silêncio. Notou que os surtos vinham em ciclos, sempre perto da antiga torre do centro — um lugar onde ninguém mais ousava entrar.
Na sexta noite, o surto voltou. Gritos ecoaram pelas ruas, e rajadas de gelo surgiram do chão. Therys correu até a torre.
Lá dentro, viu um garoto — não mais velho que sete anos — flutuando no ar, envolto por espinhos congelados. Seus olhos estavam em branco. Energia demais para um corpo tão pequeno.
Sem hesitar, Therys ergueu as mãos. O frio ao redor se curvou à sua vontade. Canalizou sua magia, não para atacar, mas para envolver o menino como uma manta serena. Controlou a temperatura, estabilizou o núcleo de energia da criança com um fluxo contínuo e preciso.
Quando o garoto caiu em seus braços, ainda vivo, a cidade se calou.
Therys olhou para o céu. Pela primeira vez, neve prateada caía. Um sinal claro: sua magia de gelo havia evoluído outra vez.
No mesmo instante, em Valtraz, Rhaziel enfrentava um espírito de cinzas furioso — uma criatura feita de fogo negro. Sem saber, os dois irmãos, separados por terras distantes, davam passos idênticos no caminho da maestria.
E mesmo longe, suas magias pareciam sussurrar uma à outra através do mundo.