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Chapter 42 - Olhos Atentos e Caminhos Cruzados.

O sol começava a se despedir no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e roxo, enquanto seus últimos raios dourados beijavam o jardim interno da mansão Freimann. Na varanda espaçosa, de onde se tinha uma vista privilegiada do gramado e da fonte cintilante, Margareth, Lucius, Maria, Conde Albert e Condessa Elisabeth desfrutavam de um momento de rara tranquilidade. Taças de vinho e xícaras de chá repousavam em pequenas mesas de ferro forjado, mas a atenção de todos estava voltada para o carvalho centenário, onde Elian e Belle estavam sentados.

Maria sorriu, um brilho nostálgico em seus olhos azul-marinho, ao ver a cabeça de Belle repousar brevemente no ombro de Elian. “Eles são tão jovens ainda...”, murmurou, quase para si mesma.

Elisabeth, com um sorriso de aprovação que mal conseguia conter, assentiu. “Mas a maturidade não espera pela idade, minha cara. Especialmente em tempos como estes.” Seus olhos cinzentos, tão parecidos com os olhos âmbar de Belle, brilhavam com uma satisfação contida.

Lucius, ao lado dela, tinha uma expressão mais complexa. Havia orgulho, sim, mas também uma sombra de preocupação paternal. Seus olhos castanho-claros seguiam os dois adolescentes com uma intensidade que só um pai poderia ter.

Margareth, por sua vez, observava a cena com um olhar analítico, quase científico. “A conexão entre eles é inegável. Uma força a ser considerada, não uma distração.” Sua voz era pragmática, como sempre, mas havia um tom de reconhecimento em suas palavras.

Foi então que Elian, com um gesto hesitante, mas firme, segurou a mão de Belle. A cena, tão simples e pura, pareceu reverberar no ar, capturando a atenção de todos na varanda.

Conde Albert, que até então observava em silêncio, virou-se lentamente para Lucius. Seus olhos, antes focados nos jovens, agora carregavam uma mistura de satisfação e uma pergunta silenciosa, quase um “Eu não te disse?”. Ele não precisou dizer uma palavra. Lucius, compreendendo o olhar do amigo, apenas levantou uma mão em um gesto resignado, um leve sorriso se formando em seus lábios. “Parece que o destino tem seus próprios planos, Albert”, Lucius finalmente disse, a voz baixa, mas audível.

Elisabeth riu suavemente. “Parece que nossos planos para o futuro deles podem não ser tão complicados assim, não é, Lucius?”

Os dias que se seguiram àquele entardecer tranquilo foram rapidamente preenchidos por uma sombra crescente. Mensagens urgentes começaram a chegar de feudos vizinhos, cada uma mais alarmante que a anterior. Relatos de criaturas alteradas, semelhantes às que atacaram o vilarejo Freimann, mas em maior número e com comportamento ainda mais agressivo, tornaram-se comuns. Fenômenos arcanos descontrolados – rios que mudavam de curso sem explicação, florestas que secavam da noite para o dia, e até mesmo pequenas tempestades de raios que surgiam do nada – aterrorizavam as populações.

Lucius e Albert, cientes da gravidade da situação, decidiram que não podiam mais depender apenas dos relatórios esporádicos da capital. Era imperativo que investigassem pessoalmente. Planejaram uma viagem de reconhecimento a um dos feudos mais afetados, o Feudo de Valerius, conhecido por suas minas de cristal arcano, que agora pareciam estar no centro de uma série de anomalias. A viagem seria perigosa, mas necessária.

Iria Talvek, que havia permanecido na mansão Freimann, revelou informações adicionais que obteve da Torre Branca. A Ordo Umbrae, a seita sombria cujas insígnias haviam sido encontradas nas criaturas, estava se tornando audaciosa. Seus rituais, antes velados e esporádicos, pareciam estar se intensificando, e a frequência dos incidentes arcanos estava diretamente ligada a essa atividade. “Eles estão testando os limites da realidade, Baronete Lucius”, Iria explicou, seu rosto sério. “A viagem de vocês é crucial. Precisamos entender a extensão da influência deles antes que seja tarde demais.”

Margareth, com sua habitual pragmatismo, insistiu que Elian e Belle deveriam continuar seu treinamento intensivo e conjunto durante a ausência dos pais. “A ameaça não vai esperar que vocês voltem”, ela declarou, seus olhos fixos nos jovens. “A cada dia que passa, a escuridão se aproxima. Vocês precisam estar prontos.”

Com a iminente partida de Lucius e Albert, Margareth viu a urgência de intensificar o treinamento de Elian e Belle, mas de uma forma que maximizasse suas forças combinadas. Ela propôs um novo regime, focado na sinergia de suas habilidades arcanas. “Vocês não são apenas dois arcanistas”, ela explicou, seus olhos percorrendo-os com uma intensidade que fazia Elian sentir um arrepio. “São duas metades de um todo que ainda não foi forjado. Precisam aprender a lutar como um só.”

Os primeiros dias foram desafiadores. Elian, acostumado a um estilo de combate mais direto e explosivo com seu fogo, e Belle, com sua agilidade e os raios imprevisíveis do Corpus Fulminis, frequentemente se chocavam. Elian usava Tumulus Terrae para erguer barreiras, mas Belle, em sua impetuosidade, as eletrizava antes que ele pudesse se posicionar adequadamente. Ou Elian lançava um Arcus Ignis poderoso, e Belle, tentando impulsioná-lo com seus raios, acabava por desviar sua trajetória. Suas personalidades diferentes – a cautela pensativa de Elian e a audácia impulsiva de Belle – se refletiam em seus estilos de combate, criando atritos.

“Não é sobre quem é mais forte, ou quem é mais rápido!”, Margareth bradava, sua voz ecoando pelo campo de treinamento. “É sobre sentir o outro, antecipar, complementar!” Ela os forçava a repetir os exercícios incansavelmente, exigindo que se comunicassem não apenas com palavras, mas com o fluxo de sua energia arcana, com o movimento de seus corpos.

Lentamente, a cumplicidade entre eles, forjada em anos de amizade e na promessa de entrarem juntos na Academia, começou a superar os obstáculos. Eles aprenderam a ler os sinais um do outro: um olhar, uma contração muscular, a própria flutuação da Força Vital. Elian começou a erguer suas barreiras de Tumulus Terrae com aberturas estratégicas para os raios de Belle, e ele, por sua vez, aprendia a modular suas rajadas de vento para acelerar o Arcus Ignis sem desviá-lo. A dança de seus feitiços tornou-se mais fluida, mais harmoniosa.

O avanço mais significativo ocorreu durante um exercício de defesa contra múltiplos alvos simulados. Pressionados, Elian e Belle agiram por puro instinto. Elian invocou a Fulmínea da Ira Ígnea, e no mesmo instante, Belle canalizou o Corpus Fulminis em seu corpo. O resultado foi devastador: a espada de fogo e eletricidade não apenas atingiu o alvo com uma força explosiva, mas também liberou uma onda de choque arcana que desorientou os alvos circundantes. Foi um ataque coordenado, poderoso e inesperado, que deixou Margareth com um raro sorriso de satisfação. Eles haviam forjado uma nova arma, uma que combinava o poder destrutivo de ambos de uma forma que superava a soma de suas partes.

Enquanto o treinamento físico e arcano se intensificava, a busca por conhecimento não ficava para trás. Elian, Belle e Iria Talvek passavam horas na vasta biblioteca da mansão Freimann, um labirinto de estantes repletas de tomos antigos e pergaminhos empoeirados. A tarefa era árdua: encontrar qualquer menção à Ordo Umbrae ou a rituais arcanos que pudessem explicar os fenômenos recentes.

Iria, com sua experiência da Torre Branca, era uma guia inestimável. Ela os ensinou a identificar padrões em textos antigos, a decifrar símbolos esquecidos e a reconhecer a assinatura de certas escolas de pensamento arcano. Belle, com sua curiosidade aguçada, era incansável, folheando páginas e apontando detalhes que poderiam passar despercebidos. Elian, por sua vez, sentia uma estranha familiaridade com alguns dos conceitos mais abstratos, como se uma parte de sua mente já os tivesse encontrado em outra vida.

Foi Belle quem fez a descoberta crucial. Escondido em um nicho secreto atrás de uma estante falsa, ela encontrou um grimório encadernado em couro escuro, com fechos de prata corroídos pelo tempo. O título, escrito em um dialeto quase esquecido, traduzia-se como “Os Limiares do Além”. Ao abri-lo, uma onda de energia arcana antiga pareceu emanar de suas páginas, fazendo as velas da biblioteca tremeluzirem.

O livro detalhava rituais proibidos de “transcendência dos limites entre mundos” e a invocação de entidades de outras dimensões. A Ordo Umbrae era mencionada como uma seita que buscava enfraquecer as barreiras da realidade para trazer seu “deus” para este plano. O texto falava de sacrifícios de Força Vital, de pontos de convergência de energia arcana natural e de uma “colheita” de almas para alimentar seus rituais.

Uma ilustração em particular chamou a atenção de Elian. Era um símbolo: um olho estilizado dentro de um triângulo invertido, com raios negros emanando dele. Era idêntico à insígnia encontrada nas criaturas alteradas e no documento que Lucius havia trazido da capital. A autenticidade das informações era inegável. O feudo Freimann, com sua forte energia arcana natural, era descrito como um dos “pontos de convergência” ideais para a seita. A descoberta gelou o sangue de Elian e Belle. A ameaça não era apenas externa; ela estava em seu próprio lar, e a Ordo Umbrae parecia ter planos muito mais sinistros do que eles poderiam imaginar.

Enquanto Elian e Belle se aprofundavam nos mistérios da Ordo Umbrae e no treinamento sinergético, Vivian, com seus oito anos e recém-chegada ao estágio Centelha, também começava a trilhar seu próprio caminho arcano. Sua afinidade com a água se manifestava de maneiras sutis, mas cada vez mais perceptíveis. Margareth, observando a neta com um carinho que raramente demonstrava, dedicava um tempo precioso para ensiná-la exercícios básicos de controle de mana e respiração. “A água é a mais maleável das afinidades, pequena névoa”, Margareth instruía, sua voz suave. “Mas sua força reside na persistência e na capacidade de se adaptar.”

Elian, por sua vez, assumiu o papel de irmão mais velho e mentor, demonstrando uma paciência e didática que surpreendiam a todos. Ele ajudava Vivian a visualizar o fluxo de energia, a sentir a umidade no ar, a conectar-se com a água ao seu redor. A Runa centelha de Vivian, que Margareth havia identificado como Nível I, revelou-se mais do que um simples estágio inicial. Ela parecia conceder a Vivian uma sensibilidade única ao fluxo arcano do ambiente, agindo como um verdadeiro “radar” natural. Vivian conseguia sentir as distorções no ar, as flutuações de energia, as presenças arcanas ocultas, mesmo antes que qualquer outro percebesse.

Um dia, durante um exercício de concentração perto do lago, Vivian fechou os olhos e estendeu as mãos. Elian observava, paciente. Lentamente, uma pequena esfera de água começou a se formar no ar, flutuando entre suas palmas. Era translúcida, brilhante, e pulsava com uma energia suave. Vivian abriu os olhos, um sorriso radiante iluminando seu rosto, e a esfera de água permaneceu ali, estável, para o deleite de Nico, que observava fascinado, e o orgulho de Elian. Era um pequeno feito, mas um grande passo para a pequena arcanista, um sinal de que seu potencial era tão vasto quanto o oceano.

Na noite anterior à partida de Lucius e Albert, uma inquietação pairava no ar, uma sensação de que algo estava prestes a mudar. Elian, em seu quarto, adormeceu com a mente cheia das runas antigas e dos rituais sombrios da Ordo Umbrae. Seu sono foi perturbado por um pesadelo vívido e aterrorizante. Ele se viu em um local escuro e úmido, as paredes de pedra cobertas por musgo e símbolos que brilhavam com uma luz esverdeada e doentia. Sussurros em uma língua desconhecida, guturais e arrepiantes, chamavam seu nome, ecoando em sua mente. Sombras se moviam entre as árvores retorcidas, e uma sensação de frio intenso e maligno o envolvia, paralisando-o.

Elian acordou sobressaltado, o coração batendo descompassadamente no peito, o suor frio escorrendo pela testa. A imagem dos símbolos e o som dos sussurros ainda ecoavam em sua mente. Levantou-se, sentindo a necessidade de ar, e caminhou até o corredor. Para sua surpresa, encontrou Belle ali, encostada na parede, os olhos arregalados e uma expressão de pavor no rosto. Ela também havia tido um pesadelo.

“Você... você também sentiu?”, Belle perguntou, a voz um sussurro. “Um frio... e aquelas sombras...”

Elian assentiu, a compreensão crescendo entre eles. “Símbolos... e sussurros. Parecia que estavam me chamando.”

Belle estremeceu. “Eu vi árvores retorcidas... e uma sensação de que algo estava nos observando, nos esperando.” Ela confessou ter tido um pesadelo semelhante, com visões de sombras e uma sensação de frio intenso. Os dois compartilharam suas experiências, percebendo que seus sonhos não eram meras coincidências, mas sim um presságio dos perigos que se aproximavam.

De mãos dadas, buscando conforto um no outro, Elian e Belle observaram os primeiros raios de sol da manhã pintarem o céu. O silêncio da mansão era quebrado apenas pelos sons distantes dos preparativos para a jornada de Lucius e Albert. Os adultos, inconscientes dos pesadelos que assombravam seus filhos, finalizavam os últimos detalhes, prontos para enfrentar uma ameaça que, sem saber, já havia se infiltrado nos sonhos dos mais jovens.

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