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Chapter 3 - Novidades e cicatrizes abertas.

Um ano se passou desde que reencarnei nesse pequeno corpo frágil e dependente.

Aos poucos, como uma névoa que se dissipa lentamente, comecei a entender algumas palavras e frases soltas deste idioma estranho. Mesmo assim, ainda não consigo compreender completamente tudo o que dizem ao meu redor. É como ouvir uma música onde apenas algumas notas fazem sentido, enquanto o resto permanece um mistério.

Como todo bebê deste mundo – ou de qualquer outro, suponho – estou passando pelas fases básicas e inevitáveis da primeira infância: comer, sujar fraldas e dormir. Um ciclo interminável que, para uma mente adulta aprisionada num corpo infantil, torna-se um exercício diário de paciência.

Para ser sincero, a parte de me alimentar é um pouco estranha. Não que eu sinta algo desconfortável ou inapropriado, como ficar excitado com minha mãe me amamentando — deuses, ainda bem que isso não acontece! —, mas o gosto do leite materno é... peculiar. Uma mistura curiosa de doce e salgado ao mesmo tempo, como se não pudesse decidir qual sabor predominar. Por mais estranho que seja, está me nutrindo bem, e meu pequeno corpo cresce forte a cada dia.

Durante este primeiro ano, também descobri um pouco mais sobre minha nova família e posição social. Aparentemente, somos nobres. Bom, pelo menos no título, pois na prática, a realidade é bem diferente. Temos o título de Baronete, o que basicamente significa: nobres pobres. Bem pobres, diga-se de passagem, com a dignidade de um título, mas sem a fortuna que normalmente o acompanha.

Lucius, meu pai nesta nova vida, apesar de ser um “nobre” por herança, vive praticamente como um camponês comum. Todos os dias o vejo sair antes mesmo do sol nascer, com as mãos já calejadas e o rosto marcado por uma preocupação constante, para trabalhar nas terras que compõem seu pequeno feudo – terras que mal produzem o suficiente para nossa subsistência.

Minha mãe, Maria, passa a maior parte do tempo em casa, seus olhos azuis raramente me deixando fora de vista. Imagino que, depois do trauma que viveu — quase perder o filho no parto — ela se recusa a se afastar de mim, como se temesse que eu pudesse desaparecer a qualquer momento se não estiver sob sua vigilância constante.

Não vou negar que gosto dessa atenção devotada. Não sei bem o porquê. Talvez seja alguma interferência biológica deste novo corpo, algum instinto primordial que me faz querer ficar perto da minha mãe. Ou talvez seja a memória da mãe que perdi em minha vida anterior, aquela que a depressão consumiu após a tragédia de nossa família. Não tenho essa resposta com clareza, mas sei que essa proximidade é... estranhamente agradável, como um bálsamo para feridas que nem sabia que ainda estavam abertas.

Entretanto, para ser completamente honesto, às vezes essa dependência é meio frustrante. Com minha mente já formada, eu “sou” essencialmente um adulto preso em um corpo que não responde como deveria. Ter que lidar com uma realidade onde me tratam como um bebê indefeso – que, fisicamente, de fato sou – é desconfortável e por vezes humilhante. Não poder falar o que penso, não poder me mover como desejo, estar à mercê de necessidades fisiológicas que não consigo controlar... é uma prisão de carne e osso.

— Elian, meu bebê! Como você está hoje? — diz Maria todas as manhãs, com o rosto iluminado por uma ternura tão genuína que chega a doer.

Eu até tento responder, formular palavras que expressem meus pensamentos complexos, mas tudo o que consigo produzir são sons primitivos e inarticulados como “Aaaaa” ou “Baaa.” Balbucios que não fazem jus à tempestade de ideias que se agita dentro da minha mente.

Curiosamente, esses sons sem sentido parecem deixá-la radiante de felicidade. E, por alguma razão que não consigo explicar racionalmente, vê-la feliz... também me deixa feliz. Como se sua alegria fosse contagiosa, ou como se este corpo infantil respondesse instintivamente ao sorriso materno.

Às vezes, quando a casa está silenciosa e o tempo parece desacelerar, me pego lembrando da minha antiga família. Da minha mãe biológica, Beatriz. Lembro de como ela cuidava de mim quando eu ficava doente, trazendo remédios caseiros, fazendo sopa de legumes, cantando músicas de ninar com sua voz suave que parecia afastar qualquer mal. Lembro de como ela sorria antes da tragédia, antes que a vida lhe roubasse tudo.

Sempre que essas memórias surgem, involuntariamente sinto meus olhos se encherem de lágrimas. É como se meu corpo atual respondesse às dores da alma que o habita. Maria, sempre atenta, percebe imediatamente. Ela me pega no colo com uma delicadeza infinita e começa a falar comigo em um tom melodioso. Eu não entendo todas as palavras deste idioma estranho, mas, de alguma forma misteriosa, aquele som, aquele calor, aquele cheiro familiar... tudo aquilo me conforta de uma maneira que palavras compreensíveis talvez não conseguissem.

Seis meses se passaram desde meus últimos pensamentos conscientes sobre minha situação. O tempo parece fluir de maneira diferente quando se é criança – às vezes arrastando-se, às vezes voando. Acredito que, agora, eu deva ter cerca de 1 ano e 6 meses de idade... Bom, algo por aí. Ainda não domino completamente o calendário deste mundo.

Descobri que, assim como na Terra, aqui também existem as quatro estações bem definidas: Verão, Outono, Inverno e Primavera. A natureza segue seu ciclo implacável, indiferente aos dramas humanos que se desenrolam sob seu manto.

O verão nesta região é insuportavelmente quente, com dias que parecem intermináveis sob um sol inclemente. Já o inverno é de um frio cortante que penetra até os ossos, transformando cada respiração em uma pequena nuvem branca que se dissipa no ar gelado.

Aliás, é exatamente nessa estação mais rigorosa que estamos agora. Meu pai, Lucius, passou os últimos meses se preparando meticulosamente para este período, juntando o máximo de alimentos e madeira possível, trabalhando do amanhecer ao anoitecer sem descanso, tentando garantir que todos aqui em casa pudessem atravessar o inverno com algum conforto — ou pelo menos, com o mínimo necessário para sobreviver.

Ainda não estou completamente na fase de me alimentar de sólidos, embora já tenha experimentado algumas papas e purês. Meu cardápio principal, por hora, ainda se resume ao leite materno, que, sinceramente, continua tendo aquele sabor curioso: doce e salgado simultaneamente, como se não pudesse decidir sua verdadeira natureza. Não chega a ser desagradável... e, mais importante, está me mantendo saudável e forte, o que é fundamental nestes meses frios.

Da minha cadeirinha alta, observo atentamente à mesa de jantar, estudando nossa alimentação diária como um antropólogo estudaria uma cultura distante. Percebo que nossa dieta é simples, sem luxos ou excessos. Sempre há uma sopa rala, um pão escuro, um pedaço de batata cozida e um pequeno pedaço de carne. Pelo aspecto e textura, talvez seja frango ou alguma ave similar deste mundo.

A principal diferença entre nossa mesa e a de um camponês comum parece ser sutil, mas significativa: o pão — o nosso parece fresco, com uma crosta dourada e macia, enquanto o deles, pelo que ouvi nas conversas, aparenta ser seco e duro como pedra — e a quantidade de carne, que, por mais modesta que seja em nossa mesa, ainda é maior que a porção disponível para os trabalhadores comuns.

É... não parece que teremos uma vida de abundância por aqui. Somos nobres apenas no nome, mas na prática, vivemos apenas um degrau acima da pobreza.

Enquanto eu observava silenciosamente, absorvendo cada detalhe daquela cena cotidiana, meus pais jantavam em silêncio, cada um perdido em seus próprios pensamentos. De repente, minha mãe, Maria, colocou a colher — de ferro simples, provavelmente o melhor que podíamos ter — de lado e olhou fixamente para meu pai, seu rosto uma mistura de apreensão e algo mais que não consegui identificar imediatamente.

— Lucius, tenho uma notícia para te dar — disse ela, sua voz suave mas firme.

Na mesma hora, como se pressentisse a importância daquele momento, ele parou de comer. Depositou a colher sobre a tigela de sopa com cuidado e, com o olhar sério e atento, a incentivou a continuar com um leve aceno de cabeça.

— Lucius, eu acredito que esteja grávida novamente — revelou ela, as palavras pairando no ar como flocos de neve, delicadas e transformadoras.

Não só meu pai ficou visivelmente surpreso com a notícia, mas eu também senti algo estranho se agitar dentro de mim. Claro que ninguém percebeu minha reação interna, afinal, eu ainda estava preso ao corpo de um bebê sem capacidade de expressar plenamente emoções complexas. Mas o rosto de Lucius era um livro aberto, impossível de ignorar mesmo para olhos inexperientes.

Suas expressões mudavam a todo instante como nuvens em dia de tempestade: felicidade, medo, nervosismo, esperança. Ele abria e fechava o sorriso, como se tentasse entender se aquilo era uma bênção divina ou mais uma preocupação para adicionar ao seu já pesado fardo.

A verdade é que, mesmo depois de tanto tempo, Lucius ainda não superou completamente o trauma do que aconteceu no meu nascimento. O fantasma daquele dia ainda o assombra nas noites mais silenciosas. Talvez, na visão dele, ele realmente tenha perdido seu filho biológico naquele dia fatídico... e agora, aqui estou eu, uma consciência estranha habitando esse corpo que deveria ter sido de seu verdadeiro filho. Como não sei exatamente o que ou quem me trouxe até aqui, não adianta tentar encontrar respostas por enquanto. Algumas perguntas talvez nunca sejam respondidas.

O silêncio que se formou entre eles após o anúncio começou a ficar denso e desconfortável, preenchendo a pequena sala como uma presença física. Finalmente, minha mãe, com um tom suave que parecia querer dissipar aquela tensão, quebrou o clima pesado:

— Você não está feliz? — perguntou ela, uma vulnerabilidade rara transparecendo em sua voz normalmente confiante.

Lucius respondeu rápido, quase tropeçando nas palavras, como se quisesse apagar qualquer impressão errada que seu silêncio pudesse ter causado:

— Não é isso! Claro que estou feliz! Eu só... — ele pausou, respirando fundo, buscando as palavras certas antes de continuar. — Tenho medo, Maria. Medo de não termos dinheiro suficiente para mais uma boca para alimentar. Medo de que tudo o que aconteceu antes se repita. Medo de perder você... ou nosso filho. Não suportaria passar por aquilo novamente.

Durante esse tempo de convivência sob o mesmo teto, ouvi fragmentos de conversas sobre como minha mãe quase morreu no meu parto. A hemorragia, a febre, o desespero. E, segundo eles, ela só sobreviveu graças à intervenção milagrosa da anciã Margareth, que usou magia de cura avançada para salvá-la quando todos já haviam perdido a esperança.

Aliás, descobri que meus pais também possuem alguma capacidade mágica, embora limitada. Lucius consegue usar magia básica de terra, útil para o cultivo, enquanto Maria tem afinidade com magia de água em nível iniciante. Mas... isso é assunto para outra hora, quando eu entender melhor como funciona o sistema mágico deste mundo.

Minha mãe, com um gesto que parecia conter toda a ternura do mundo, segurou a mão do meu pai entre as suas. Olhou profundamente em seus olhos, como se quisesse transmitir sua força através daquele contato, e falou com uma firmeza surpreendente:

— Lucius, eu entendo seus medos. Acredite, eu também tenho os meus. Mas sei que vamos dar um jeito, como sempre demos. Elian já terá quase dois anos quando o bebê nascer. Vai ser difícil? Sim, claro que vai. Mas vamos conseguir, juntos. Vamos cuidar bem dele, ou dela, assim como estamos cuidando de Elian. Nossa família vai crescer, e isso é uma bênção, não uma maldição.

E nisso, eu realmente não posso reclamar ou discordar. Meus pais, apesar da simplicidade da nossa vida e das limitações financeiras, nunca me deixaram faltar o essencial. Temos comida na mesa todos os dias, nos protegemos do frio com roupas simples mas suficientes e, sempre que ficamos doentes, eles arranjam um jeito de pagar pelo tratamento, mesmo que isso signifique sacrifícios pessoais.

— Então vou ganhar um irmãozinho... ou uma irmãzinha? — pensei, a ideia formando-se lentamente em minha mente como cristais de gelo em uma janela de inverno.

No exato momento em que a palavra “irmãzinha” ecoou em minha consciência, uma imagem antiga e terrível surgiu como um golpe inesperado, rasgando o véu do presente: a imagem de Luana, minha irmã da vida passada, pendurada pela corda, seu corpo inerte balançando suavemente, voltou à minha memória com uma nitidez cruel e impiedosa.

Uma dor agoniante, como mil adagas envenenadas, percorreu cada parte da minha alma — uma dor que, mesmo após a reencarnação, mesmo após cruzar o abismo entre mundos, continuava viva e latejante, como uma ferida que jamais cicatrizou completamente. Era um peso insuportável, uma tristeza tão profunda que parecia não ter fundo, arrastando-me para baixo com uma força mais poderosa que qualquer entendimento racional.

Sem conseguir conter aquele turbilhão de emoções, sem poder processá-las através da mente limitada de um bebê, Elian — eu — comecei a chorar. Não um choro comum de criança, mas um lamento profundo que parecia vir das profundezas de outra existência.

Meus pais, que até então estavam imersos em seu próprio momento de complexa felicidade, ficaram visivelmente surpresos e assustados ao me verem chorar de forma tão repentina e intensa, como se eu tivesse sido ferido fisicamente. Maria, minha mãe nesta vida, não pensou duas vezes. Levantou-se imediatamente da mesa, derrubando o guardanapo no processo, e me pegou nos braços com a urgência de quem salva algo precioso de um incêndio.

Ela me embalava com um carinho infinito, murmurando palavras de conforto que eu começava a entender parcialmente. Balançava-me suavemente, cantava baixinho uma canção de ninar local, acariciava minhas costas em movimentos lentos e reconfortantes... mas nada, absolutamente nada parecia ser capaz de cessar meu choro desesperado.

Como explicar a ela que eu chorava por uma irmã que nunca conheceu, de um mundo que nunca existiu para ela? Como dizer que temia, mais que tudo, falhar novamente em proteger uma irmã ou irmão?

Depois de longos minutos que pareceram horas, em meio às lágrimas que pareciam não ter fim e ao aperto sufocante no peito que nem mesmo este novo corpo conseguia disfarçar, o cansaço físico acabou vencendo a batalha contra a dor emocional. Ainda aninhado no colo protetor de minha mãe, sentindo o calor reconfortante de seu corpo e o bater rítmico de seu coração, Elian — o que restou de Rodrick — finalmente adormeceu.

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