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Chapter 19 - 19 - Sombras e Rivalidades

O caminho de volta aos dormitórios era longo, mas Bryan preferia evitar os transportadores mágicos da Academia. Caminhadas solitárias proporcionavam um tempo valioso para organizar pensamentos e processar informações – algo que aprendera a valorizar em sua vida anterior.

O treinamento na arena das Lâminas do Crepúsculo havia sido mais proveitoso do que esperava. Não apenas pelos recursos disponibilizados, mas pela compreensão mais profunda da facção que havia escolhido. Pragmáticos, eficientes, sem a ostentação da Alvorada ou a brutalidade dos Punhos de Aço. Era uma filosofia que se alinhava bem com seus próprios princípios.

Enquanto atravessava um dos jardins suspensos que conectavam as alas residenciais, Bryan sentiu uma sensação familiar – aquele leve formigamento na base do crânio que sempre precedia…

[NOTIFICAÇÃO DO SISTEMA]

Uma janela azul translúcida materializou-se diante dele, visível apenas para seus olhos.

[Habilidade Adquirida: Manto das Sombras (Nível 1)]

[Adaptando técnicas de dissimulação das Lâminas do Crepúsculo Efeito: Reduz percepção] [visual de sua presença em 30% em áreas com sombras parciais] 

[Custo de mana: 5 pontos/minuto] 

[Estatísticas Atualizadas] AGI: 47 → 49 PER: 52 → 54 STE: 31 → 32

A notificação não o surpreendeu. O Sistema frequentemente assimilava técnicas que ele aprendia ou observava, especialmente quando se harmonizavam com suas habilidades inatas. O treinamento intenso com os construtos de combate das Lâminas havia claramente acelerado essa assimilação.

Bryan fechou a notificação com um pensamento e continuou caminhando, mas agora testava sutilmente a nova habilidade recém-adquirida. Concentrou-se brevemente, canalizando uma pequena quantidade de mana conforme instruído pelo Sistema.

O efeito era sutil, mas perceptível. As sombras pareciam se inclinar levemente em sua direção, como se reconhecessem sua afinidade. Sua silhueta tornava-se ligeiramente mais difusa, não invisível, mas menos… memorável. Era como se os olhos de um observador casual simplesmente deslizassem para longe dele, sem fixar sua atenção.

"Uma habilidade útil," pensou. "Especialmente para alguém na minha posição."

O uniforme das Lâminas já possuía encantamentos de dissimulação, mas esta habilidade era diferente – era parte dele agora, independente de qualquer equipamento. E com o tempo e prática, certamente evoluiria para níveis mais avançados.

Enquanto contemplava as aplicações práticas de sua nova habilidade, seus pensamentos desviaram-se para outro assunto pendente: Hanna Velmira. Seus caminhos haviam se cruzado brevemente desde seu primeiro encontro, e a dinâmica entre eles estava… complicada. O interesse dela era evidente, embora ela tentasse mascarar com pretextos profissionais. A questão era – qual seria o próximo passo?

Bryan não tinha meios de contatá-la diretamente. Os membros da Alvorada Arcana não compartilhavam facilmente seus dados de comunicação no dispositivo mágico de pulso, especialmente com membros de facções rivais – categoria na qual ele acabara de se enquadrar oficialmente. E procurá-la abertamente poderia chamar atenção indesejada tanto para ele quanto para ela.

Suas reflexões foram interrompidas quando percebeu uma figura familiar atravessando o jardim suspenso na direção oposta. O reflexo imediato foi ativar sua nova habilidade, Manto das Sombras, deixando que as sombras das árvores ornamentais o obscurecessem parcialmente.

Era Selene Mavros, a Segunda Arcana da Alvorada e braço direito de Aria Lumina. Seu cabelo negro contrastava dramaticamente com o uniforme branco e dourado da facção. Ela caminhava com propósito, acompanhada por dois outros estudantes seniores da Alvorada que Bryan reconheceu, mas cujos nomes não sabia.

Interessante. O caminho que Selene seguia levava ao Observatório Celestial – uma estrutura raramente utilizada por estudantes comuns, reservada principalmente para estudos avançados e pesquisas especiais autorizadas diretamente pelos mestres. O que a Segunda Arcana estaria fazendo lá a esta hora?

Bryan considerou seus opções. Seguir Selene poderia fornecer informações valiosas, mas também era arriscado. Ela tinha reputação de ser extraordinariamente perceptiva. Por outro lado, sua nova habilidade proporcionava uma vantagem que não possuía antes.

Decidido, Bryan ajustou seu curso, mantendo uma distância segura enquanto seguia o trio. O Manto das Sombras facilitava a tarefa, permitindo que ele se movesse pelos cantos mais escuros sem chamar atenção.

O grupo de Selene seguiu até a base do Observatório, uma torre espiralada que se erguia acima da maioria das estruturas da Academia. Em vez de entrar pela entrada principal, no entanto, eles contornaram a estrutura até uma porta lateral quase imperceptível, escondida por arbustos ornamentais.

Bryan observou de longe enquanto Selene pressionava sua palma contra a superfície da porta. Runas douradas brilharam momentaneamente antes de a porta deslizar para o lado, permitindo a passagem do grupo. Apenas membros de alto escalão da Alvorada teriam acesso àquele local.

Quando a porta se fechou atrás deles, Bryan considerou suas opções. Sem autorização apropriada, forçar a entrada seria extremamente arriscado. O melhor curso de ação seria recuar e--

"Interessante vê-lo aqui, Blake."

A voz masculina, calma e controlada, veio de trás dele. Bryan não demonstrou surpresa enquanto se virava lentamente, já sabendo que sua habilidade de nível 1 não seria suficiente para esconder-se de alguém realmente habilidoso.

O homem que o observava tinha aproximadamente sua idade, talvez um ou dois anos mais velho. Alto, de constituição atlética, cabelos castanho-escuros perfeitamente arrumados e olhos verdes penetrantes. Vestia o uniforme da Alvorada Arcana, mas com adornos que indicavam status elevado – não no mesmo nível de Selene, mas certamente parte do círculo interno da facção.

"Lorde Damien Everett, presumo," respondeu Bryan, reconhecendo o homem a partir de informações obtidas previamente. Terceiro na hierarquia não oficial da Alvorada, especialista em magia de combate abjurativa, e – se os rumores estivessem corretos – herdeiro de uma das casas nobres mais influentes do Reino de Azuria.

"Vejo que minha reputação me precede." Damien sorriu, um gesto praticado que não alcançava seus olhos calculistas. "E você é o famoso Bryan Blake. O novato que derrotou Kyle Trevane e, pelo que observo, agora porta as cores das Lâminas do Crepúsculo."

O tom era educado, mas Bryan percebia o escrutínio cuidadoso por trás das palavras corteses. Damien o avaliava, buscando informações, medindo reações.

"Apenas passeando pelos jardins," respondeu Bryan casualmente. "São particularmente tranquilos neste horário."

"De fato." Damien deu alguns passos à frente, movendo-se com a graça estudada de alguém treinado tanto em combate quanto em política cortesã. "Embora eu deva admitir que é uma coincidência curiosa encontrá-lo tão próximo ao Observatório Celestial, justo quando membros seniores da Alvorada conduzem estudos privados."

"O mundo está cheio de coincidências," observou Bryan, mantendo um tom neutro.

Damien sorriu novamente, desta vez com um toque de genuíno divertimento.

"Sabe o que é ainda mais curioso? Seu aparente interesse em Hanna Velmira."

A menção ao nome de Hanna não era acidental. Bryan manteve sua expressão impassível, mas seu Sistema registrou a sutil mudança na postura de Damien – um ligeiro ajuste de peso, uma tensão quase imperceptível nos ombros. Este não era apenas um confronto casual; havia algo mais pessoal.

"Senhorita Velmira é uma colega talentosa," respondeu Bryan. "Tivemos algumas conversas produtivas sobre técnicas arcanas."

"Tenho certeza que sim." Damien cruzou os braços. "No entanto, talvez deva saber que a senhorita Velmira tem um futuro brilhante na Alvorada Arcana. Um futuro que poderia ser… complicado por associações equivocadas."

Ali estava – não apenas uma advertência, mas uma declaração territorial. As peças se encaixaram rapidamente na mente de Bryan. Damien Everett não estava apenas defendendo os interesses da facção; tinha motivações pessoais relacionadas à Hanna.

"Aprecio sua preocupação," respondeu Bryan, sua voz calma mas firme. "No entanto, as associações da senhorita Velmira são escolha dela, não minha ou sua."

Um breve lampejo de irritação cruzou o rosto perfeitamente composto de Damien antes de ser rapidamente mascarado por um sorriso diplomático.

"Certamente. Apenas compartilhando uma… perspectiva amigável." Ele fez uma pausa estudada. "Como novo membro das Lâminas, você deve entender melhor que ninguém a importância das hierarquias e territórios estabelecidos."

Bryan manteve o contato visual, sem recuar nem avançar.

"Compreendo perfeitamente," respondeu. "Inclusive os territórios que existem apenas na imaginação de alguns."

O sorriso de Damien desapareceu por um instante, substituído por algo mais frio, mais calculista.

"Interessante perspectiva." Ele recuou um passo, retomando sua postura formal. "Bem, não o deterei mais em seu… passeio. Tenho certeza que encontrará o caminho de volta aos domínios das Lâminas sem dificuldade."

A ameaça velada era evidente.

"Sempre encontro meu caminho," respondeu Bryan simplesmente.

Damien assentiu uma vez, um gesto de falsa cordialidade, antes de seguir na direção tomada por Selene e seu grupo. Antes de alcançar a entrada, no entanto, ele parou e olhou por sobre o ombro.

"A propósito, Blake. Amanhã começa a disciplina de Caça. Não perca – ouvi dizer que esta temporada será… excepcionalmente desafiadora."

Com essas palavras finais, Damien desapareceu através da mesma entrada secreta usada anteriormente por Selene, deixando Bryan sozinho com suas reflexões.

Na manhã seguinte, Bryan dirigiu-se ao Pavilhão dos Caçadores, uma estrutura ampla localizada na fronteira entre o campus principal da Academia e a área de treinamento exterior. O edifício tinha uma arquitetura diferente dos outros pavilhões acadêmicos – mais rústico, com vigas expostas de madeira antiga e paredes decoradas com troféus de caça de variadas espécies.

A classe já estava parcialmente cheia quando ele chegou. Bryan reconheceu rostos familiares – alguns de sua turma regular, outros das arenas de combate. Havia representantes de todas as facções, embora a distribuição não fosse equivalente. Os Punhos de Aço tinham presença majoritária, seguidos pelas Lâminas do Crepúsculo. A Alvorada Arcana tinha a menor representação, o que era esperado – membros da Alvorada tipicamente preferiam estudos teóricos a práticas de campo.

Bryan escolheu um assento na área central, nem muito à frente nem completamente ao fundo. Uma posição que permitia observar a maioria dos outros estudantes enquanto mantinha bom ângulo de visão do instrutor.

Enquanto aguardava, sua atenção foi capturada por um movimento na entrada do pavilhão. Hanna Velmira entrava, acompanhada por outro estudante da Alvorada que Bryan não reconheceu. Seus olhares se cruzaram brevemente, mas o contato foi quebrado quando um homem de meia idade, com presença imponente, adentrou o recinto pela porta lateral.

O burburinho das conversas cessou imediatamente. O homem caminhou até o centro do espaço, movendo-se com a confiança calma de um predador experiente. Era alto, musculoso mas sem excessos, com cabelos grisalhos curtos e uma barba bem aparada. Cicatrizes visíveis cruzavam seu rosto e braços expostos, testemunho de inúmeros confrontos. Vestia uma versão modificada do uniforme acadêmico, adaptada para maior mobilidade e resistência em campo.

"Bom dia," sua voz era profunda e ressonante, projetando-se facilmente pelo pavilhão sem necessidade de amplificação mágica. "Sou o Professor Thorne Blackwood, responsável pela disciplina de Caça e Sobrevivência em Campo. Para aqueles que já ouviram histórias sobre mim – sim, a maioria delas é verdadeira."

Um murmúrio percorreu a sala. Bryan observou as reações dos outros estudantes – uma mistura de respeito, apreensão e, em alguns casos, admiração clara. Claramente, o Professor Blackwood tinha reputação estabelecida.

"Nos próximos meses," continuou Blackwood, movendo-se pelo espaço enquanto falava, "vocês aprenderão não apenas a rastrear e confrontar criaturas mágicas hostis, mas também a identificar recursos valiosos em ambientes adversos, estabelecer acampamentos defensáveis, e trabalhar em equipe sob pressão constante."

Ele pausou, seus olhos percorrendo a sala, avaliando cada estudante.

"Alguns de vocês estão aqui porque esta disciplina é obrigatória para suas facções. Outros, por escolha própria. Independente do motivo, as expectativas são as mesmas: preparação meticulosa, execução precisa, e adaptabilidade constante."

O professor gesticulou, e uma série de imagens tridimensionais materializou-se no centro do pavilhão – projeções mágicas de diversas criaturas, desde as relativamente comuns até algumas que Bryan reconheceu como extremamente perigosas.

"Estas são algumas das criaturas que vocês enfrentarão – primeiro em simulações controladas, depois em expedições reais. Cada uma possui padrões comportamentais específicos, vulnerabilidades a explorar, e perigos únicos."

As imagens mudavam enquanto Blackwood explicava brevemente as características de cada criatura. Bryan notou como os olhos do professor brilhavam com conhecimento prático, não apenas teórico – este era um homem que havia confrontado cada uma daquelas criaturas pessoalmente.

"A disciplina de Caça não é apenas sobre eliminar ameaças," continuou Blackwood, dispersando as imagens com um gesto. "É sobre compreender o equilíbrio natural e mágico dos diversos biomas. Muitas vezes, a melhor estratégia não é atacar, mas observar, aprender, e evitar confrontos desnecessários."

Bryan percebeu que, diferentemente de alguns outros instrutores, Blackwood não glorificava a violência nem a dominação – sua abordagem parecia mais pragmática, mais alinhada com uma visão sistêmica do mundo natural.

"Agora, quanto à estrutura prática da disciplina," o professor digitou algo em seu dispositivo mágico de pulso, e os dispositivos de todos os estudantes vibraram simultaneamente. "Acabei de enviar a todos o cronograma detalhado das aulas e o sistema de pontuação."

Bryan consultou seu próprio dispositivo, analisando rapidamente as informações. O sistema era claro: pontos eram acumulados através de participação em missões de campo, coleta de espécimes específicos, identificação de recursos raros, e demonstração de técnicas de sobrevivência. Os níveis de dificuldade variavam, assim como as recompensas correspondentes.

"Como podem ver," continuou Blackwood, "as missões estão categorizadas em cinco níveis de periculosidade. Novatos começam no nível um e progridem conforme demonstrem competência. Para missões de nível três em diante, equipes são obrigatórias – ninguém, repito, ninguém enfrenta criaturas de alto perigo sozinho nesta Academia enquanto eu for responsável."

Ele enfatizou o ponto com uma expressão severa que sugeria experiência pessoal com as consequências de tal imprudência.

"Para registrar-se em uma missão, utilizem o aplicativo de Caça em seus dispositivos mágicos. O sistema avaliará se vocês atendem aos requisitos mínimos para a missão escolhida. Missões são alocadas semanalmente, com base em disponibilidade e demanda da Academia por determinados recursos ou pesquisas."

Blackwood então explicou o sistema de pontuação detalhadamente:

"Missões de nível um concedem 10 pontos base, com bônus por eficiência e coleta de recursos secundários. Cada nível subsequente duplica a pontuação base – nível dois são 20 pontos, nível três são 40, e assim por diante. Ao final do semestre, sua classificação determinará se vocês estarão qualificados para expedições especiais no recesso acadêmico – oportunidades que muitos graduados dariam um braço para obter."

O professor então moveu-se para um grande mapa tridimensional que agora ocupava o centro do pavilhão – uma representação detalhada dos territórios adjacentes à Academia.

"Estas são as áreas onde conduziremos nossas expedições iniciais. Cada região apresenta desafios únicos e abriga diferentes espécies. Parte de sua tarefa será aprender a identificar sinais que indicam quais criaturas habitam cada ambiente e como elas interagem entre si."

Por quase uma hora, Blackwood continuou detalhando aspectos técnicos da disciplina – equipamentos recomendados, protocolos de emergência, técnicas básicas de rastreamento e camuflagem. Bryan absorvia tudo metodicamente, reconhecendo muitos conceitos de sua vida anterior, embora adaptados para um mundo onde a magia era fator determinante.

"Para concluir esta introdução," disse finalmente Blackwood, "deixo um aviso que não está nos manuais oficiais: A natureza, tanto mundana quanto mágica, não segue nossas regras acadêmicas. Ela não se importa com seu status, sua facção, ou seu orgulho. Respeitem-na, estudem-na, mas nunca a subestimem."

Ele fez uma pausa significativa, olhando diretamente para alguns estudantes que haviam demonstrado sinais de excesso de confiança durante a apresentação.

"Um último ponto: formem suas equipes com sabedoria. Escolham não apenas amigos, mas pessoas cujas habilidades complementem as suas. Uma equipe equilibrada tem chances significativamente maiores de sucesso – e sobrevivência."

Com essas palavras finais, o professor anunciou que a aula introdutória estava encerrada. Enquanto os estudantes começavam a se dispersar, ele acrescentou:

"Ah, e antes que esqueça – a primeira missão prática será na próxima semana. Um exercício relativamente simples de identificação e coleta nas bordas da Floresta Sussurrante. Registrem-se pelo dispositivo até amanhã ao meio-dia."

Bryan permaneceu sentado por alguns momentos, processando a informação enquanto observava os outros estudantes. Já começavam a formar-se pequenos grupos – amizades preexistentes e alianças de facções determinando as prováveis configurações de equipes.

Enquanto considerava suas próprias opções para formação de equipe, sentiu seu dispositivo mágico vibrar discretamente. Uma notificação simples, sem remetente identificado:

"Biblioteca Sul. Seção de Bestiários Antigos. 4 horas. -H"

Hanna havia encontrado uma forma de contatá-lo através do sistema de mensagens acadêmicas. Interessante. Bryan apagou a mensagem após memorizá-la e levantou-se para sair do pavilhão. A aula de Caça havia sido informativa, mas o verdadeiro desafio – como sempre – estava nas dinâmicas humanas que se desenvolviam ao redor das atividades acadêmicas.

Precisamente no horário indicado, Bryan entrou na Biblioteca Sul – uma estrutura menos imponente que a Grande Biblioteca Central, mas especializada em conhecimentos práticos de campo. A seção de Bestiários Antigos estava localizada em um canto afastado, raramente frequentada exceto por estudiosos de criaturas mágicas específicas.

Ao virar uma estante particularmente alta repleta de tomos encadernados em couro, encontrou Hanna já aguardando, aparentemente absorta em um livro ilustrado sobre quimeras das montanhas setentrionais. Estava sozinha, como esperava.

"Escolha interessante de leitura," comentou Bryan casualmente, enquanto fingia examinar os títulos em uma prateleira próxima.

Hanna não levantou o olhar do livro. "Especialmente o capítulo sobre como elas usam ilusões para atrair presas desavisadas."

Bryan compreendeu a mensagem velada. "Alguma razão particular para estudar táticas de emboscada hoje?"

Hanna finalmente fechou o livro e olhou diretamente para ele. "Depois do seu encontro com Damien ontem, achei prudente revisar técnicas defensivas."

Então ela já sabia. Interessante.

"Notícias viajam rápido na Alvorada," observou Bryan.

"Damien fez questão de mencionar o encontro durante o café da manhã," respondeu Hanna. "Uma forma sutil de marcar território, suponho."

"E ainda assim, aqui estamos," Bryan indicou o espaço entre eles com um gesto discreto.

"Precisamente por isso estamos aqui," Hanna colocou o livro de volta na prateleira e indicou uma porta quase imperceptível ao fundo da seção. "Há uma sala de estudos particular além daquela porta. Reservada sob o nome de um projeto de pesquisa fictício sobre espécies extintas."

Bryan assentiu, apreciando a meticulosidade de Hanna. Eles se dirigiram à sala indicada, entrando em um espaço pequeno mas confortável – uma mesa central, algumas cadeiras, e estantes vazias nas paredes. Uma única janela estreita permitia a entrada de luz natural filtrada.

Assim que a porta se fechou atrás deles, Hanna ativou uma pequena pedra rúnica que retirou de seu bolso, colocando-a no centro da mesa.

"Campo de privacidade de baixo nível," explicou. "Não suficiente para bloquear vigilância oficial da Academia, mas adequado contra ouvidos curiosos comuns."

"Precaução sensata," comentou Bryan, examinando a runa sem tocá-la. O design era eficiente, embora limitado em alcance e potência – exatamente como ela descrevera.

Hanna sentou-se em uma das cadeiras, indicando que Bryan fizesse o mesmo.

"Então," começou ela diretamente, "você já é oficialmente um membro das Lâminas do Crepúsculo."

"E você continua firmemente estabelecida na Alvorada Arcana," respondeu Bryan. "O que torna esta conversa… interessante em vários níveis."

"Precisamente por isso estou aqui," disse Hanna, inclinando-se levemente para frente. "Nossa… situação cria oportunidades únicas."

Bryan manteve sua expressão neutra, aguardando que ela elaborasse.

"Damien me contatou?" perguntou diretamente.

Hanna respirou fundo, preparando-se.

"Duas razões. Primeiro, para avisá-lo. Selene sabe sobre… nossos encontros anteriores. Não tenho certeza do quanto ela sabe, mas ela está atenta, e quando Selene observa algo, Aria também fica sabendo eventualmente."

"E a segunda razão?"

Um breve momento de hesitação – quase imperceptível, mas Bryan capturou-o.

"Para oferecer uma troca," disse ela finalmente. "Informações por informações."

Bryan aguardou, deixando-a continuar.

"Você agora é membro das Lâminas do Crepúsculo. Eu sou protegida de Selene na Alvorada Arcana. Nossas posições nos dão acesso a informações que normalmente não circulam além das fronteiras das facções."

"Está sugerindo espionagem mútua?" questionou Bryan, uma sobrancelha levemente erguida.

"Estou sugerindo benefício mútuo," corrigiu Hanna. "Há… eventos se desdobrando na Academia que afetam a todos nós, independentemente de afiliações."

Isso capturou o interesse de Bryan. "Que tipo de eventos?"

Hanna hesitou novamente, claramente calculando o quanto poderia revelar.

"Nas últimas semanas, três portais de treinamento avançado apresentaram anomalias. Não apenas instabilidade usual, mas… algo diferente. Distorções nas propriedades fundamentais dos campos dimensionais."

Bryan manteve sua expressão neutra, mas seu interesse intensificou-se. Qualquer alteração em padrões dimensionais poderia potencialmente relacionar-se à Torre de Nyxar.

"A Alvorada está investigando estas anomalias?"

"Sim. Sob supervisão direta de Aria." Hanna inclinou-se ainda mais para frente, baixando a voz. "Mas não é apenas isso. Os Punhos de Aço perderam duas equipes inteiras em missões recentes. Oficialmente, foram acidentes devido à instabilidade dos portais. Extraoficialmente…"

"Eles foram atacados," completou Bryan, conectando os pontos.

Hanna assentiu lentamente. "Algo, ou alguém, está interferindo com os portais da Academia. E apenas os de nível mais alto, usados para missões de campo reais, não os de treinamento básico."

Bryan considerou as implicações. Se havia interferência nos portais dimensionais, isso poderia afetar sua própria missão de longo prazo – seja dificultando sua progressão na Academia ou, potencialmente, oferecendo oportunidades inesperadas.

"E o que você espera de mim em troca destas informações?" perguntou finalmente.

"As Lâminas têm seus próprios métodos de investigação. Métodos que os Punhos de Aço e a Alvorada não possuem. Se você puder descobrir o que Kethras sabe sobre estas anomalias…"

"Informações que seriam extremamente valiosas para Selene," observou Bryan.

"Para mim," corrigiu Hanna. "O que eu fazer com elas depois é… questionável."

Bryan estudou-a cuidadosamente. Havia algo mais em seus olhos – não apenas ambição política ou curiosidade acadêmica, mas uma preocupação genuína.

"Há algo que você não está me contando," disse ele, não uma pergunta, mas uma constatação.

Hanna sustentou seu olhar por um longo momento antes de responder.

"Meu irmão estava em uma das equipes dos Punhos de Aço que desapareceu."

Isso era inesperado. "Seu irmão é membro dos Punhos de Aço? Não da Alvorada?"

"Minha família… é complicada." Hanna desviou o olhar brevemente. "Nem todos seguimos o mesmo caminho. Meu irmão caçula, Elias… ele sempre preferiu ação direta à sutileza política."

Uma nova peça no quebra-cabeça que era Hanna Velmira. Bryan reavaliou rapidamente sua compreensão dela.

"A Academia oficialmente o declarou como perdido, presumivelmente morto," continuou Hanna. "Mas eu conheço meu irmão. Ele é… persistente."

"Você acredita que ele ainda está vivo."

"Acredito que algo aconteceu naquele portal que a Academia está deliberadamente ocultando." Hanna encarou-o diretamente. "E acredito que as Lâminas sabem mais do que estão revelando."

Bryan considerou suas opções. Um acordo de troca de informações com Hanna poderia ser valioso – mas também extremamente arriscado, especialmente agora que ele era membro oficial das Lâminas. Traição à facção tão cedo seria… problemático para seus planos.

Por outro lado, informações sobre anomalias dimensionais eram precisamente o tipo de conhecimento que poderia auxiliá-lo em sua missão maior.

"Encontrarei o que puder," disse finalmente. "Mas não posso prometer que compartilharei tudo."

"Compreensível," respondeu Hanna. "Tenho as mesmas reservas."

Um entendimento mútuo formou-se entre eles – não exatamente confiança, mas uma apreciação realista dos limites de seu acordo.

"Há uma coisa a mais que você deveria saber," acrescentou Hanna após uma breve pausa.

"Sobre as anomalias?"

"Sobre Damien Everett."

O nome despertou a atenção imediata de Bryan. "Tivemos uma conversa interessante ontem."

"Imagino que sim." Um sorriso irônico cruzou brevemente o rosto de Hanna. "Damien é… complicado. Terceiro na hierarquia não oficial da Alvorada, herdeiro da Casa Everett, e politicamente conveniente para os planos de longo prazo de Aria."

"E tem interesse pessoal em você," completou Bryan.

Hanna não demonstrou surpresa com sua percepção.

"Um 'interesse' orquestrado por nossas famílias desde que tínhamos doze anos," confirmou ela. "Uma aliança política disfarçada de romance em potencial."

"Mas você não compartilha deste entusiasmo."

"Digamos que tenho planos próprios para meu futuro," respondeu Hanna. "Planos que não necessariamente se alinham com os da minha família ou os da Primeira Arcana."

Bryan contemplou esta nova informação. As dinâmicas internas da Alvorada eram ainda mais complexas do que havia inicialmente avaliado – teias dentro de teias, ambições e alianças entrelaçadas em padrões que poucos poderiam verdadeiramente compreender.

"Damien é perigoso," continuou Hanna. "Não apenas por sua habilidade com magia abjurativa, que é considerável, mas por sua influência política. Se ele decidir que você representa uma ameaça aos planos dele…"

"Entendo as implicações," assegurou Bryan.

Hanna assentiu, aparentemente satisfeita com sua compreensão. Ela consultou um pequeno dispositivo cronométrico em seu pulso.

"Nosso tempo está acabando. Devo retornar antes que minha ausência seja notada."

Bryan observou-a por um momento, tomando uma decisão. Então estendeu seu braço, exibindo o dispositivo mágico preso em seu pulso.

"Podemos facilitar nossa comunicação," sugeriu. "Se você me adicionar ao seu dispositivo mágico, podemos trocar mensagens de forma mais direta e segura."

Hanna olhou para o dispositivo com uma expressão cautelosa. "Os administradores da Academia monitoram todas as comunicações oficiais."

"Nem todas," respondeu Bryan. "As Lâminas têm seus próprios canais. Um dos primeiros benefícios da filiação."

Hanna considerou por um momento, antes de estender seu próprio braço, aproximando seu dispositivo mágico ao de Bryan. Os dois dispositivos brilharam brevemente quando se detectaram mutuamente.

"Canal secundário, criptografado," murmurou Bryan enquanto manipulava algumas configurações em seu dispositivo. "Aparecerá como comunicação acadêmica padrão para qualquer monitoramento casual."

Após alguns momentos, ambos os dispositivos emitiram um leve brilho azulado, indicando que a conexão havia sido estabelecida com sucesso.

"Pronto," disse Bryan. "Agora podemos nos comunicar sem depender de encontros arriscados."

Hanna examinou seu dispositivo com interesse técnico. "Impressionante. As Lâminas realmente levam a sério sua reputação de mestres da informação."

"Entre outras especialidades," comentou Bryan.

Hanna levantou-se, ajustando seu uniforme meticulosamente. "Devo ir. Tenho aula de Teoria Arcana Avançada em vinte minutos."

Bryan também se levantou, estudando-a com intensidade renovada.

"Espero que saiba o que está fazendo, Hanna. Esta… aliança nos coloca ambos em risco."

"A vida na Academia Imperial é risco," respondeu ela com um leve sorriso. "A questão é quais riscos valem a pena."

Ela desativou a pedra rúnica de privacidade, guardando-a novamente em seu bolso.

"Usarei o dispositivo para enviar detalhes adicionais sobre as anomalias dos portais assim que for seguro," disse ela, movendo-se em direção à porta. "E Bryan…" ela pausou, "…tenha cuidado com as sombras. Nem todas são tão acolhedoras quanto parecem."

Com isso, ela saiu da sala, deixando Bryan sozinho com seus pensamentos e uma nova linha de comunicação que representava tanto oportunidade quanto perigo.

[Notificação do Sistema]Nova variável identificada: Anomalias dimensionais em portais avançados Relevância para objetivos primários: Alta Recomendação: Investigação prioritária

Bryan fechou a notificação com um pensamento. O jogo havia se tornado mais complexo – e muito mais interessante.

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