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- Quem é esse seu amigo? - perguntou Fevi, seguindo Isaque pela rua deserta, o vento frio cortando o rosto.
- O nome dele é Kaps Voss. Não sei muita coisa sobre ele, mas ele me contou que já pisou fora do Brasil algumas vezes. - Isaque respondeu com a voz calma, admirando o silêncio da noite.
- Já foi pro exterior? E isso quer dizer o quê? - Fevi questionou, curioso.
- Ele é ex-militar e fazia parte de uma investigação de anomalias sobrenaturais. É um grupo de pessoas que, assim como nós, conseguem ver os ecos. Com apoio do governo, eles tentavam descobrir o que eram aquelas coisas. - Isaque suspirou, absorvendo o ar gelado - A última vez que ouvi falar deles já faz uns dez anos. Nem sabia usar minha essência direito naquela época.
- Então ele se aposentou? - Fevi perguntou.
- Tipo isso. - Isaque olhou ao redor e atravessou um muro, fazendo um gesto para que Fevi o seguisse.
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- Como você atravessou esse muro? - Fevi perguntou, tentando entender enquanto tentava passar também.
Ao tocar o muro, sua mão atravessou sem resistência. Ele arregalou os olhos e murmurou:
- Como isso é possível?
Respirando fundo, ele colocou o corpo inteiro e atravessou. Do outro lado, Fevi se viu diante de um lugar completamente diferente da rua mal asfaltada e cheia de grafites: parecia uma usina abandonada, meio industrial, com equipamentos enferrujados e luzes piscando de vez em quando.
- É aqui que ele mora, legal, né? - disse Isaque, um leve sorriso nos lábios.
- Legal? Quem moraria numa usina abandonada? Isso não faz sentido. - Fevi cruzou os braços, desconfiado.
- Claro que faz. Você vai entender logo. - Isaque seguiu para dentro, guiando Fevi por corredores de metal e máquinas paradas. Quanto mais avançavam, mais uma silhueta estranha aparecia: emitia uma luz verde intensa das mãos e do corpo, acompanhada de chiados contínuos.
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A figura se virou ao ouvir os passos e, sem demonstrar muita emoção, disse:
- Ah, Isaque, quanto tempo.
Seus olhos agora fixaram Fevi, com um olhar sério, cortante.
- E você, quem é? - questionou.
- Ele é meu amigo... ou aluno. Trouxe ele porque sei que você, melhor do que ninguém, entende o que acontece fora do Brasil. - Isaque colocou a mão nas costas de Fevi e continuou - Kaps, quero que ajude no treinamento dele.
Com voz firme, cada palavra de Kaps fazia Fevi estremecer:
- Treinamento? E por que eu ajudaria nisso? Esse moleque vai morrer em dias, duvido que aguente uma semana sem ser corrompido pela própria essência.
- Ele não vai se corromper. Fevi demonstrou um controle que eu e você demoramos anos para conseguir. - Isaque respondeu com convicção, olhando em seguida para Fevi em tom mais baixo - Mostra pra ele.
Fevi assentiu, respirou fundo e saiu para o pátio. Kaps e Isaque o seguiram.
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Fevi fechou os olhos e ergueu lentamente a mão. O chão vibrou em silêncio, e pequenos grãos de terra começaram a se erguer, suspensos no ar como poeira em gravidade zero.
Em segundos, os fragmentos se uniram, formando uma esfera perfeita que flutuava sobre eles — tão estável que o vento parecia respeitar seu contorno.
Fevi respirou fundo, e a esfera girou devagar, cada movimento sincronizado ao batimento do seu coração.
Então ele abriu os olhos. Um simples estalar de dedos, e a estrutura se desfez em milhões de partículas, desaparecendo no ar sem deixar sequer um som.
Kaps se surpreende ligeiramente, mas mantém a postura e expressão impassível:
- Parece que você tem um bom controle da sua essência... mas isso não prova nada. Se eu tentar te matar agora, você sobreviveria?
- Não sei... - Fevi respondeu, ainda confuso, mas instintivamente lançou uma descarga elétrica na direção de Kaps, usando o ar ao redor como condutor.
Kaps sentiu o choque percorrer o corpo, mas sua expressão permaneceu imperturbável.
- Claro que não sabe... você nem deve identificar outras essências. Olha pra mim: que tipo de essência você acha que eu tenho?
- Sua essência? Eu... não sei. Como eu saberia?
- Talvez eu te ensine. Mas antes, me convença. - Kaps deu um sorriso curto, quase imperceptível.
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Isaque olhou entre Kaps e Fevi, abrindo a boca para falar algo, mas foi interrompido:
- E então, Fevi... Diga porque o rei te ensinaria algo.
Fevi pensou alguns segundos, nada vinha à mente. Olhou para Isaque, respirou fundo e disse:
- Porque eu quero poder quebrar os estrangeiros na porrada.
Isaque bateu a mão na testa, claramente desapontado com a resposta.
Kaps riu, mas o riso ainda carregava uma pressão esmagadora:
- Quebrar estrangeiro na porrada? Acha mesmo que aguenta isso? Eu já pisei fora do Brasil, e esses caras não são pouca coisa. Nem eu, da terceira classificação, tive chance contra a média da França... lá, até criança da terceira classificação não existe abaixo disso.
- Terceira classificação? Então uma criança na França consegue destruir um país inteiro? - Fevi arregalou os olhos.
- Sim... mas eu só consigo fazer isso a longo prazo. Os franceses, com um ou dois ataques, fazem estragos absurdos.
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- Um ataque? - Isaque murmurou, incrédulo - Eu sabia que lá fora tinham monstros, mas uma criança conseguir destruir um país com um ataque... como é possível?
- Isaque, você não sabia? Achei que você soubesse de tudo. - Fevi comentou, surpreso.
Isaque abriu a boca para responder, mas Kaps o interrompeu:
- Gostei de você, Fevi. Vou te ensinar tudo que sei, só não garanto que você saia vivo.
Kaps caminhou para uma área mais aberta; Fevi e Isaque o seguiram.
- Escondi um papel cheio de essência em mim. Seu objetivo é achar e não morrer. Pode participar também, Isaque. Vocês dois contra mim.
- Eu também? Por quê?
- Só um não teria graça. - Kaps entrou em pose de luta, uma luz verde emanando dele, matando plantas sob seus pés.
Isaque olhou para Fevi:
- Me acompanha.
Ele aumentou a gravidade de Kaps, limitando seus movimentos. Fevi aproveitou e avançou com o punho envolto em raios elétricos, mirando o corpo de Kaps. Num piscar de olhos, Kaps sumiu, reaparecendo para derrubar Isaque com um soco no rosto, que o fez voar contra uma parede.
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- Desgraçado! Por que a gravidade não fez efeito? - Isaque gritou.
- Quem disse que não fez? - Kaps respondeu, com calma.
Kaps avançou novamente, mas Isaque conseguiu defender a maioria dos golpes. Fevi aproveitou e criou um tornado de terra ao redor dos dois, diminuindo a visão deles.
- O que é isso agora? - Kaps gritou. - Acha que me cegar vai te dar vantagem?
Ele tentou se virar para Fevi, mas Isaque o acertou com uma cabeçada, fazendo sangue escorrer. Logo em seguida, encaixou um soco no queixo de Kaps.
Isaque avançou com socos e chutes calculados, mas Kaps se defendeu facilmente. Fevi aumentou a força do tornado, enviando grãos de terra nos olhos de Kaps. Isaque aproveitou e intensificou seus golpes, aumentando ainda mais a gravidade ao redor de Kaps.
- Seus malditos! - Kaps gritou, liberando energia muscular em uma onda destrutiva, arrastando Isaque para trás e contornando parte do tornado.
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Kaps abriu os olhos e, com voz séria, disse:
- Eu vou matar vocês.
Ele correu até Isaque, dando um soco tão forte que o lançou contra uma parede. Fevi viu o amigo desacordado, seu corpo caído e sangrando.
Fevi tentou correr para ajudá-lo, mas Kaps apareceu diante dele, segurando sua cabeça e o arremessando contra a parede metálica da usina. Os ossos de Fevi estalavam, e a dor era insuportável. Ele tentou criar uma barreira de terra, respirando pesadamente:
- Esse cara é um monstro...
Fevi começou a usar a terra para fechar ferimentos e empurrou a barreira, levando Kaps junto.
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Kaps enterrou os pés no solo, segurando a barreira. Fevi tentou cercá-lo com uma gaiola de terra.
Kaps se deixou ser preso e liberou partículas carregadas que atravessaram a barreira; Fevi desviou no último segundo. Quando piscou, Kaps já estava diante dele, acertando um soco que derrubou Fevi.
- Não adianta se esconder - disse Kaps, pisando no peito de Fevi.
Fevi, com dor intensa, lembrou do que havia feito mais cedo. Kaps aumentou a pressão no peito dele, mas um raio gigante caiu, fazendo-o voar para trás.
Fevi se levantou, com o corpo tremendo, e viu três Kaps diante de si, quase perdendo a consciência com descargas elétricas acumuladas no cérebro.
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- Que patético - disse Kaps, olhando com desprezo.
Garras vermelhas surgiram em sua mão, ele golpeou o ar e uma micro-explosão nuclear o atingiu.
Seu olhar se voltou para Fevi, que mal conseguia pensar.
- Durou mais do que imaginei... mas ainda é ridículo igual qualquer outro brasileiro. - Kaps ergueu as garras, mirando o pescoço de Fevi, mas uma gravidade intensa o derrubou, deixando ele imóvel no chão.
Isaque com um sorriso sarcástico, aproximou-se:
- Já se esqueceu de mim?
Ele curou parte dos danos em Fevi, mas as descargas elétricas no cérebro persistiam.
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Kaps ainda no chão, observava. Isaque buscava o papel escondido em seu corpo.
- Achou que seria fácil assim? - Kaps sorriu.
Isaque sentiu calor intenso, afastando a mão rapidamente. Kaps começou a se levantar aos poucos, devido ao enfraquecimento da gravidade.
- Vai logo, cara, se mexe - disse Isaque a Fevi, dando tapas leves no rosto dele para acordá-lo.
Fevi piscou e disse:
- O que aconteceu?
Antes que Isaque respondesse, Kaps acertou um soco nele, mas Isaque conseguiu erguer uma barreira gravitacional a tempo.
- Fevi, eu acho que não tem como vencer esse cara - alertou Isaque.
Fevi, surpreso, respirou fundo e disse:
- Isaque, segura ele pra mim.
Isaque obedeceu, limitando os movimentos de Kaps.
- Droga... usei gravidade demais - murmurou, sentindo seu corpo ficar pesado.
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Kaps tentou atacar, mas Isaque segurou seu braço com gravidade intensa. Fevi criou espinhos de terra que atravessaram o corpo de Kaps. Isaque que também quase foi atingido, desviou no último segundo e olhou para os espinhos no corpo de kaps, surpreso.
Kaps gritou de dor, contorcendo-se. Isaque tentou tocar de novo, mas o corpo de Kaps emitia calor cada vez mais intenso, desfazendo os espinhos.
- Vai logo, Fevi - incentivou Isaque.
Fevi ergueu Kaps contra uma parede de terra e encheu de água, resfriando o corpo de Kaps. A água logo começou a evaporar por causa do calor.
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Fevi sem perder tempo, usou o ar como condutor de novo e lançou um raio sobre Kaps, eletrocutando a água. Kaps grita, mas logo cai desacordado.
- Boa, Fevi! - comemorou Isaque. - Eu não sabia que você podia criar água também.
Fevi sorriu, mas tremia, suas pernas fraquejando. As descargas elétricas no cérebro ameaçavam seu desmaio. Mesmo assim, fechou os olhos e de alguma forma, ainda conseguia ver Kaps e Isaque.
A prisão de água se desfez, liberando Kaps. Fevi aproximou-se, ainda com os olhos fechados e tocou o corpo dele, encontrando o papel dentro do pulmão.
- Achei! Conseguimos! - disse Fevi, aliviado.
Isaque sorriu, jogando-se em Fevi para abraçá-lo:
- Eu sabia que você era incrível, que foda, moleque!
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- O que fazemos com ele? - perguntou Fevi, olhando para Kaps caído.
- Vamos levar lá pra dentro - respondeu Isaque. - Esse cara é um monstro...
- Tá, me ajuda aqui. Acho que não consigo sozinho - pediu Fevi, levantando um lado de Kaps.
Isaque correu e levantou o outro lado:
- Será que consigo? Meu corpo tá pesado por causa da gravidade de antes.
- Mas meu cérebro tá todo ferrado... - Fevi respondeu, já carregando Kaps para dentro. - Você só levou um soco dele.
- Um soco que quase me matou. Por isso eu falei que é um monstro. Ele nem usou metade do que podia.
- E você usou? - Fevi perguntou.
- Não. - respondeu Isaque, voz baixa - Mas se eu usasse tudo, eu me mataria ou mataria alguém...
Ele fez silêncio por alguns segundos, depois apontou:
- O quarto dele fica por aqui.
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Fevi perguntou:
- Você já veio aqui antes?
- Algumas vezes. Eu vinha visitar ele e apanhar às vezes. Ele ficou muito mais forte do que naquela época...
Chegaram ao quarto. Colocaram Kaps na cama. Isaque pensou em usar a essência de cura, mas o corpo de Kaps já começava a se curar sozinho.
- Ele deve acordar em algumas horas - disse Isaque, sorrindo. - E você vai esperar seu cérebro se livrar dessas descargas elétricas antes de treinar de novo.
- Vem, vamos dar uma volta. - Isaque saiu do quarto e atravessou o muro de volta para a rua. Fevi o seguiu.
- Pra onde vamos agora? - Fevi perguntou.
- Já falei: vamos dar uma volta.
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Fevi seguia Isaque pela rua deserta, o som de seus passos ecoando entre os prédios silenciosos.
As lâmpadas piscavam de vez em quando, lançando reflexos trêmulos sobre os carros estacionados. Algumas vitrines estavam iluminadas, mostrando roupas amassadas e objetos que pareciam esquecidos no tempo.
- Nunca imaginei que essa rua fosse tão... vazia à noite - comentou Fevi, olhando para os prédios em silêncio.
- Às vezes é melhor assim - respondeu Isaque, com a voz calma, mas carregada de mistério. - Sem barulho, sem distrações. Dá pra pensar.
Fevi observou um carro antigo, com pintura descascando, encostado na calçada.
- Alguém ainda deixa carro assim estacionado? - disse ele, meio rindo.
- Às vezes o que está velho demais, ninguém mais toca - respondeu Isaque, com aquele sorriso que não se sabia se era amigável ou sarcástico.
O vento soprava pelas folhas secas que rodopiavam na calçada, e Fevi sentiu uma pontada de inquietação, como se a rua estivesse mais viva do que parecia.
- Tá frio hoje, não? - disse Fevi, cruzando os braços.
- Frio? - Isaque riu baixinho. - Não é frio. É só você começando a perceber as coisas que estavam escondidas.
Eles continuaram andando, em silêncio por alguns segundos, apenas observando as vitrines apagadas e os reflexos nos vidros sujos. Um gato atravessou a rua, sumindo entre os carros como se tivesse sido apenas um borrão.
- Você anda muito sozinho por aqui, né? - perguntou Fevi, quebrando o silêncio novamente.
- Nem tanto - disse Isaque, olhando para frente. - Mas aprendi a andar sem precisar de ninguém olhando por mim.
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- Deve ser meio solitário - comentou Fevi, batendo levemente no ombro de Isaque. - Quero dizer, andar por ruas assim... sem ninguém por perto.
- Talvez - disse Isaque, desviando o olhar para uma loja fechada, com portas de metal rangendo ao vento. - Mas nem tudo que parece solitário está vazio. Às vezes, você só não percebe quem ou o que está olhando.
Fevi franziu a testa, olhando para os prédios ao redor. Havia sinais de vida antiga: uma bicicleta caída, uma porta entreaberta, um rádio que soltava chiados em algum apartamento do alto.
- Então você tá dizendo que... tem alguém nos observando agora? - perguntou Fevi, com meio sorriso nervoso.
- Pode ser - respondeu Isaque, rindo de leve. - Ou pode ser que você esteja começando a notar detalhes que antes passavam despercebidos.
Eles passaram por um carro moderno, com o motor ainda quente, estacionado em frente a uma loja de conveniência. As luzes de neon refletiam no asfalto molhado de uma pequena poça de chuva.
- Olha isso - disse Fevi, apontando. - É tipo um quadro, né? Luzes e reflexos. Parece cenário de filme.
- Tudo é cenário de filme se você olhar direito - disse Isaque. - Mas nem todo mundo quer perceber.
O silêncio caiu novamente, quebrado apenas pelo som distante de um caminhão passando e pelo vento arrastando folhas.
- Então essa "volta" que você falou... - começou Fevi, olhando para Isaque. - É só um passeio normal, ou tem alguma coisa por trás disso?
Isaque parou, observando Fevi com um sorriso enigmático.
- Um passeio é só o começo - disse ele calmamente. - Às vezes, o começo é o que mais ensina.
Eles continuaram caminhando, com a rua deserta se estendendo à frente, cheia de pequenos detalhes que Fevi ainda não sabia como interpretar, mas que, de algum jeito, faziam seu coração bater mais rápido.
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Fevi e Isaque continuaram caminhando, até que a luz amarelada de uma pequena loja chamou atenção. A placa piscava com letras quase apagadas: "Lanches e Café da Esquina".
- Quer parar um pouco? - perguntou Isaque, apontando para a porta.
- Hm... sei lá, acho que posso comer algo - respondeu Fevi, esfregando as mãos. - Já tô meio faminto.
Eles entraram, e o cheiro de pão fresco e café quente imediatamente os envolveu. O dono, um homem de cabelos grisalhos, acenou sem dizer palavra, como se já esperasse os visitantes.
- Dois pães de queijo e um café - disse Isaque, apontando para o balcão.
Fevi quase riu da naturalidade com que ele falava, mas logo percebeu que a loja era estranhamente silenciosa, exceto pelo chiado do café sendo preparado.
Sentaram-se em uma mesa próxima à janela, observando a rua deserta lá fora. Fevi mordia o pão de queijo, enquanto Isaque olhava os reflexos da rua nos vidros.
- Sabe - começou Fevi, entre uma mordida e outra - essa rua até que tem charme à noite.
- Charmosa e perigosa, se você souber observar - respondeu Isaque, olhando Fevi com aquele sorriso enigmático.
Fevi ergueu as sobrancelhas.
- Perigosa? Tá me assustando de propósito?
- Talvez seja apenas um aviso - disse Isaque calmamente. - Nem tudo que você vê é o que parece.
Eles terminaram o lanche, e o dono da loja nem piscou enquanto Isaque deixou algumas moedas em cima do balcão.
- Vamos - disse Isaque, levantando-se. - A volta continua.
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De volta à rua, Fevi notou a diferença no ambiente: agora ele prestava atenção aos detalhes que antes passavam despercebidos. As poças refletiam as luzes das vitrines, e os carros estacionados pareciam estar congelados no tempo.
- Esse lugar é estranho - comentou Fevi. - Tipo... você olha e não entende direito se alguém realmente passa por aqui ou se é só a luz e as sombras brincando.
- Exatamente - respondeu Isaque, com o tom calmo de quem domina a situação. - A atenção aos detalhes é o primeiro passo para não ser pego desprevenido.
Eles passaram por uma banca de jornais antiga, as manchetes amareladas pelo tempo. Fevi pegou um exemplar e riu:
- "Crise na cidade, moradores reclamam de luzes piscando"... parece até com o que vimos na rua.
- O mundo repete padrões - disse Isaque. - O truque é notar quais padrões importam.
Fevi fechou o jornal e guardou de volta.
- Tá, então qual é o próximo passo? - perguntou.
- Voltar para casa do Kaps - disse Isaque, sem hesitar. - A noite ainda não acabou.
Eles caminharam pelo restante da rua, o silêncio pesado apenas quebrado pelo som de passos e folhas arrastadas pelo vento. Fevi sentiu a curiosidade e a tensão crescendo, como se algo importante estivesse prestes a acontecer.
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Ao chegar na usina de Kaps, Fevi observou a fachada iluminada pela luz fraca da lua. As janelas refletiam sombras que se moviam levemente, mas a porta estava aberta, como se os esperasse.
- Pronto, chegamos - disse Isaque, abrindo caminho. - Agora é só esperar ele acordar e... bem, o resto você vai ver.
Eles entraram silenciosamente, deixando a rua e seus mistérios para trás. Fevi sentiu o chão rangendo levemente sob os pés, mas nada parecia fora do lugar.
Enquanto caminhavam pelo corredor, Fevi notou algo estranho na parede da sala: um "4" arranhado na parede com algo que pareciam garras, quase se camuflando com a sombra.
- Isaque... olha isso - disse Fevi, apontando.
Isaque parou e olhou para o número, seus olhos se estreitando levemente.
- Um 4? Isso não estava aqui quando saímos- murmurou ele, com um tom que fez Fevi sentir que aquele simples número tinha uma importância muito maior do que aparentava.
O quarto estava silencioso, mas a presença do "4" parecia carregar um peso que nenhum dos dois conseguia ignorar.
