O som das turbinas preenchia o avião como um zumbido distante, constante, quase hipnótico. O ar era frio, reciclado demais, e o cheiro metálico de combustível parecia se misturar ao aroma do café que vinha das fileiras da frente.
Luan Han observava o reflexo do próprio rosto no vidro da janela — uma imagem trêmula, quebrada pela luz fraca das nuvens cortadas lá fora. Os olhos dele, escuros e fundos, não pareciam olhar o horizonte. Pareciam olhar para dentro.
Atrás, algumas vozes quebravam o silêncio:— Já era pra ter pousado, não?— Eu avisei que escala em Dubai nunca dá certo...— Essas poltronas são tortura...
As palavras se perdiam entre o barulho metálico do motor, como ecos em uma mente cansada.Luan apertou os dedos, uma cicatriz fina cruzava o dorso da mão — lembrança de algo que doía mais do que o corte em si.
A vibração do avião, o som do ar, tudo começou a se distorcer. A fronteira entre presente e passado cedeu, e ele já não estava mais no assento.
O chão sob seus pés virou lona.O cheiro de combustível virou suor.E as vozes ao fundo se transformaram em gritos de torcida.
O ringue cercava-o como uma arena de guerra. A luz dos refletores queimava a pele, e à sua frente, o adversário — um colosso de ombros largos e olhos azuis — avançava como uma fera.Luan reagiu no instinto. Punho, esquiva, chute baixo. O som dos golpes era o som da vida — carne e vontade se chocando.Até que o joelho dele cedeu. Um estalo seco.O corpo não respondeu.O gigante o acertou com um cruzado brutal, e tudo desabou.
O mundo girou.O som da multidão se dissolveu.E o rugido das turbinas voltou.
Luan piscou. Estava de novo no avião.A comissária passava recolhendo copos e guardanapos, sorrindo com educação.— Senhor, estamos prestes a pousar em Incheon. Por favor, coloque o cinto.
Ele assentiu, ainda meio longe dali.A lembrança pulsava viva, latejando sob a pele.
— Eu... — murmurou baixo, sem perceber que falava em voz alta. — Eu não fui capaz de controlar minhas chamas...
A comissária apenas sorriu, sem entender, e seguiu adiante.Luan encostou a cabeça no assento e observou pela janela o mar de luzes que se formava abaixo. Seul se estendia em manchas de neon e concreto, uma cidade que nunca dormia — e que agora o esperava como quem aguarda uma dívida antiga.
O avião tocou o solo com um leve tranco.O ar mudou, o peso também.Ele respirou fundo, e por um instante, jurou sentir o cheiro da chuva coreana misturado ao sangue que ainda queimava na memória.
Do outro lado da cidade, em uma sala cercada por vidro e fumaça de cigarro, Kang Min-Seok revisava relatórios empilhados sobre a mesa.Fotografias de corpos, lutadores mortos, cada um com um histórico de glória e queda.Os dedos do capitão tocaram o papel manchado de café onde se lia o nome:
LUAN HAN — Ex-Campeão Mundial. Lesão. Registro limpo. Dupla nacionalidade.
Kang arqueou uma sobrancelha.Soltou o cigarro no cinzeiro e murmurou para si, num tom baixo e firme:
— O filho do Han... voltou pra casa.