O céu da Noitosfera estava especialmente opressivo naquela manhã, tingido de um vermelho pútrido que lembrava sangue coagulado. O vento assobiava entre os esqueletos de torres arruinadas, e o ar carregava o cheiro de enxofre e apostas perdidas.
Noctheron, o dragão negro, pousou com um baque surdo diante do Cassino do Olho Negro, suas asas retraindo-se como um manto de sombras. Rob saltou de sua garupa, sentindo o peso do Orbe Demoníaco queimando em sua mochila como um carvão em brasa.
— Ok — Blade cuspiu, ajustando as adagas na cintura com movimentos nervosos. — Agora a gente pode finalmente quitar essa dívida maldita.
— Só não se deixe distrair — Rob resmungou, esfregando os olhos inchados. A lembrança daquela foice pairando sobre seu pescoço todas as noites o assombrava como um fantasma faminto. — Entramos, pagamos e saímos. Rápido.
Blade soltou uma risada rouca, os olhos amarelos brilhando de sarcasmo.
— Bwahaha! Ai, ai. É até engraçado vindo do cara que apostou almas nos primeiros meses aqui.
Rob não respondeu. Seus dedos cerraram-se em punhos. Ele não tinha desculpas. A Noitosfera era um poço sem fundo, e ele havia caído de cabeça.
O Olho Negro
A porta do cassino abriu-se sozinha, rangendo como um caixão sendo aberto. Lá estava Ele.
O Olho Negro.
Um demônio sem feição, apenas um vulto alto e esguio envolto em trapos negros. Seu rosto liso refletia a luz como um espelho sujo, mas qualquer um que o olhasse juraria ver um sorriso cortando de uma orelha à outra.
— Kekeke… Vamos, meninos — sua voz era melífera, como mel escorrendo de uma faca. — Não precisam ficar tão assustados assim.
Rob engoliu seco. Quem não ficaria? Era como receber a visita do Diabo em uma manhã ensolarada.
— Esse cara… — pensou Rob, os olhos fixos no vazio onde devia haver um rosto. — Primeiro quase arranca minhas bolas por mil almas, e agora quer esse Orbe? O que há de tão especial nele?
[Upgrade de Nível]
Observação Lv. 50
Orbe Demoníaco
Descrição: Orbe que acumula e libera almas de acordo com sua programação.
Situação: 5.475.000 de Tacks para ser aberto.
Rob sentiu o sangue gelar em suas veias.
— Que… — seu estômago embrulhou-se. — Eu tô entregando uma super bomba de anabolizante para o demônio mais cínico da Noitosfera?!
Seu coração acelerou. Aquele não era um simples artefato. Era uma arma. Uma guerra em forma de cristal.
— Blade! — ele sussurrou, puxando o meio-demônio pelo braço. — Blade! Merda… A gente precisa sair daqui. Agora.
Blade revirou os olhos.
— De novo essa paranoia? Já tão com medo do Tio Olho outra vez?
Rob não teve tempo de explicar. O Olho Negro estendeu uma mão ossuda, os dedos se contorcendo como serpentes famintas.
— O Orbe, meus queridos. — A voz dele era agora um sibilo. — Antes que eu decida cobrar juros.
E então, as luzes do cassino se apagaram. Um silêncio cortante tomou o ambiente, interrompido apenas pelo tilintar distante de fichas caindo no chão.
— Kekeke… — O riso do Olho Negro ecoou na escuridão, como se viesse de todas as direções ao mesmo tempo. — Acham que escuridão me assusta, meninos? Eu sou a escuridão.
Rob sentiu o coração acelerar. Seus dedos já tremiam, canalizando energia para a Grande Devastação de Fogo. Mas ele precisava de tempo.
— Blade… — ele sussurrou.
— Já tô ligado. — Blade deu um passo à frente, os olhos amarelos brilhando como faróis na penumbra.
Um Jogo de Distração
— Ei, Tio Olho! — Blade chamou, afetando um tom descontraído enquanto girava uma adaga entre os dedos. — Se você queria um orbe tão bonitinho, era só pedir com jeitinho. Ou será que tá com vergonha porque não tem boca pra fazer isso direito?
O ar ficou gelado.
— Kkkrrr… — O Olho Negro emitiu um ruído que poderia ser uma gargalhada ou um rosnado. — Blade, Blade… Sempre o engraçadinho. Mas eu me pergunto… — Sua silhueta esvoaçou mais perto. — Se ainda vai achar graça quando eu arrancar essa língua e usar de ficha.
Blade sorriu, mostrando os caninos afiados.
— Tenta, careca.
Foi o suficiente.
A Grande Devastação de Fogo
Rob cerrou os dentes. O calor dentro de seu peito já era insuportável, como se um segundo sol tivesse sido aceso sob sua pele. Suas mãos tremiam, não de medo, mas da energia fervilhante à beira da ruptura.
— GRANDE DEVASTAÇÃO DE FOGO! — ele rugiu.
Do centro de sua palma, uma esfera flamejante explodiu com fúria, alastrando-se em um raio devastador. As chamas douradas se espalharam como um mar infernal, derretendo tudo à sua frente. Cortinas pegaram fogo, colunas ruíram, e os demônios presentes foram engolidos num mar de luz que rugia como um dragão ancestral.
O Olho Negro foi atingido. Seu manto virou um archote. Seu grito — mais raivoso que dolorido — ecoou como uma maldição.
Fuga Caótica
Fora do cassino, Noctheron urrava, tentando se libertar de três demônios encadeados que envolviam seu pescoço com correntes rúnicas, tentando dominá-lo à força.
— PORRA, ROB! — Blade rugiu ao ver o dragão sangrando.
Noctheron urrava, com todo seu orgulho dracônico, contorcendo-se de dor. Correntes negras, cobertas de runas ardentes, envolviam seu pescoço, chicoteando sua carne com eletricidade demoníaca. Três oficiais do Olho Negro — demônios deformados, cobertos por armaduras ósseas e com olhos que brilhavam como carvões acesos — puxavam as amarras com força animalesca, tentando dobrar a vontade do dragão.
Blade parou por um segundo, seus olhos arregalados. Ele viu sangue escorrer do pescoço de Noctheron, misturando-se à fuligem e à fumaça que ainda pairava no ar.
— Vocês... — ele sussurrou, os punhos cerrando. Seus olhos brilharam em vermelho.
A transformação veio como uma tempestade.
Seus ombros se curvaram, músculos se distendendo além da carne. As veias em seu pescoço pulsavam como cordas prestes a arrebentar. Chifres negros emergiram de sua testa com um estalo úmido, rasgando carne e pele. Asas membranosas brotaram de suas costas com um rasgo de couro e sangue. Suas mãos viraram garras, e seus dentes, presas de predador.
O meio-demônio estava morto. No lugar dele, surgia a Besta.
Com um grito primal, Blade lançou-se contra o primeiro carcereiro — o que segurava a corrente principal.
O demônio mal teve tempo de virar a cabeça. Blade o atingiu como um meteoro, cravando as garras em seu peito. Ossos estalaram, sangue espirrou como um jato, e o som da corrente sendo partida ecoou alto, como um sino de libertação. O demônio gritou, mas foi interrompido por uma mordida que arrancou metade de seu rosto. O corpo tombou, mole como um saco de carne inútil.
O segundo carcereiro avançou, erguendo uma lança flamejante. Blade se abaixou sob o ataque e girou, usando a asa como lâmina — cortando o inimigo ao meio da cintura para baixo. As pernas despencaram de pé, o tronco voou, e os olhos do demônio ainda tentavam entender o que havia acontecido quando caíram no chão.
O terceiro tentou fugir.
Blade o perseguiu com passos longos e bestiais, movendo-se com uma agilidade animalesca. O demônio bateu as asas, desesperado, mas Blade alcançou-o no ar. Cravou as garras em suas costas, puxando-o como uma presa rebelde. Uma, duas, três mordidas depois, havia apenas pedaços — e sangue pingando de sua mandíbula escurecida.
Noctheron, livre, soltou um rugido que fez o solo tremer. Chamas negras escaparam de sua garganta, engolindo as correntes restantes como se fossem papel. Seus olhos se voltaram para Blade — não com medo, mas com respeito selvagem.
Atrás deles, os escombros do cassino estremeceram.
— KKKRRR… VOCÊS…
O Olho Negro emergiu, queimado e deformado. Tentáculos de sombras saíam de seus braços, contorcendo-se como vermes famintos.
— EU VOU ARRANCAR CADA PEDAÇO DE—
— VAMOS, BLADE! — gritou Rob.
Blade, ainda arfando, subiu no dragão.
— Até a próxima, Tio Olho.
Noctheron alçou voo, deixando o demônio rugindo entre as chamas.
Fuga e Consequências
O vento apagava o cheiro de queimado. Blade voltou à forma normal, sangrando.
— Maldito seja… A gente quase virou churrasco.
Rob olhou para trás.
— Mas conseguimos. E ainda deixamos ele sem a porra do orbe.
Blade riu.
— Porra, Rob… Você é um idiota. Mas pelo menos é nosso idiota.
E assim, os três fugiram, deixando para trás um demônio enfurecido, um cassino destruído e uma dívida, enfim, quitada.
Nos escombros, o Olho Negro segurava um fragmento do Orbe Demoníaco. Ainda pulsava.
— 5.475.000 Tacks… E então, tudo será meu.